segunda-feira, junho 11, 2012


GABRIELA
CRAVO
E
CANELA

Episódio Nº 121



Nessa tarde, devido talvez ao anormal movimento do bar, à excitação da presença do engenheiro, Nacib não conciliava o sono, tomado por seus pensamentos. A princípio não dera maior importância a nenhuma das duas coisas: nem à qualidade da comida nem ao corpo da retirante nas noites ardentes.

Satisfeito com o tempero e a variedade dos pratos, só lhes deu o verdadeiro valor quando a freguesia começou a crescer, quando foi preciso aumentar o número de salgados e doces, quando sucederam-se unânimes os elogios a Plínio Araça, cujos métodos comerciais eram dos mais discutíveis, mandou fazer uma oferta a Gabriela.

Quanto ao corpo – aquele fogo de amor a consumi-la no leito, aquela loucura de noites atravessadas insones – prendeu-se a ele, insensivelmente. Nos primeiros tempos, apenas certas noites a procurava, quando ao chegar a casa, ocupada ou doente Risoleta, não estava cansado e com sono. Então decidia deitar-se com ela, á falta de outra coisa a fazer.

Mas durara pouco essa displicência. Logo habituara-se de tal maneira à comida feita por Gabriela que, convidado a jantar com Nhô-Galo no dia de seu aniversário, mal provara os pratos, sentindo diferença na finura do tempero.

E fora, sem o sentir, amiudando as idas ao quarto do quintal, esquecendo a sabida Risoleta, passando a não suportar o seu carinho representado, suas manhas, seus eternos queixumes, mesmo aquela ciência do amor que ela usava para lhe tirar dinheiro. Terminou por não mais procurá-la, não responder a seus bilhetes, e desde então, há quase dois meses, não tinha outra mulher senão Gabriela. Agora arribava todas as noites em seu quarto, procurando sair do bar o mais cedo possível.

Tempo bom, meses de vida alegre, de carne satisfeita, boa mesa, suculenta; de alma contente, cama de felizardo. No rol das virtudes de Gabriela, mentalmente estabelecido por Nacib na hora da sesta, contavam-se o amor ao trabalho e o senso de economia.

Como arranjava tempo e forças para lavar a roupa, arrumar a casa – tão limpa nunca estivera! – cozinhar os tabuleiros para o bar, almoço e jantar para Nacib? Sem falar que à noite estava fresca, descansada, húmida de desejo, não se dando apenas mas tomando dele, jamais farta, sonolenta ou saciada.

Parecia adivinhar os pensamentos de Nacib, adiantava-se às suas vontades, reservava-lhes surpresas: certas comidas trabalhosas das quais ele gostava – pirão de caranguejo, vatapá, viúva-de-carneiro – flores num copo ao lado do seu retrato na mesinha da sala de visitas, troco do dinheiro dado para fazer a feira, essa ideia de vir ajudar no bar.

Antes era Chico Moleza, ao voltar do almoço, quem trazia para Nacib a marmita preparada por Filomena. A barriga a dar horas, o árabe esperava impaciente. Ficava só com Bico Fino, a servir os últimos fregueses do aperitivo.

Um dia, sem prevenir, Gabriela aparecera com a marmita, vinha lhe pedir licença para ir à sessão espírita, Dª Arminda a convidara. Ficou ajudando a servir, passou a vir todos os dias. Naquela noite lhe dissera:

 - É melhor eu levar a comida para o moço. Assim come mais cedo, posso ajudar também. Importa não?
(Click na imagem de um Nacib feliz com a sua Gabriela vinda do sertão e contratada no "mercado de escravos")


Site Meter