sábado, julho 21, 2012


GABRIELA
CRAVO
E
CANELA

Episódio Nº 155

Passarinho preso em gaiola não quisera jamais. Dava-lhe pena. Só não dissera para não ofender seu Nacib. Pensara lhe dar um presente, companhia para casa, sofrê cantador. Canto tão triste, seu Nacib, tão triste! Não queria ofendê-lo, tomaria cuidado. Não queria magoá-lo, diria que o pássaro tinha fugido.

Foi pró quintal, abriu a gaiola em frente da goiabeira. O gato dormia. Voou o sofrê, num galho pousou, para ela cantou. Que trinado mais claro e mais alegre! Gabriela sorriu. O gato acordou.


Das cadeiras de alto espaldar


Pesadas cadeiras austríacas, de alto espaldar, negras e torneadas, o couro trabalhado a fogo. Pareciam colocadas ali para serem olhadas e admiradas, não para nelas sentar-se. A outro qualquer intimidariam. De pé, o coronel Altino Brandão admirava mais uma vez a sala. Na parede, como em sua casa, retratos coloridos – confeccionados por florescente indústria paulista – do coronel Ramiro e sua falecida esposa, um espelho entre os dois.

Num ângulo, um nicho com santos. Em lugar de velas, minúsculas lâmpadas eléctricas, azuis, verdes, vermelhas, uma boniteza.

Na outra parede pequenas esteiras japonesas de bambu, onde se viam cartões postais, retratos de parentes, estampas. Um piano ao fundo coberto com um xale negro de romagens cor de sangue.

Quando Altino, do passeio, cumprimentara Jerusa e perguntara se o coronel Ramiro Bastos estava e lhe podia conceder dois minutos, a moça o fizera entrar para o corredor a separar as duas salas da frente. Ouvira dali o movimento crescer na casa: puxavam ferrolhos das janelas, desvestiam as cadeiras protegidas com invólucros de pano, a vassoira e o espanador.

Aquela sala se abria apenas nos dias de festa: aniversário do coronel, posse de novo intendente, recepção a políticos importantes da Baía. Ou para visita inabitual e muito considerada. Jerusa apareceu na porta, convidou-o:

 - Quer entrar, coronel?

Raras vezes viera a casa de Ramiro Bastos. Quase sempre em dias de festa, e novamente admirava a sala luxuosa, prova inequívoca da riqueza e do poder do coronel.

 - Vovô já vem… - sorria Jerusa e retirava-se com uma inclinação de cabeça. «Linda moça, parecia até estrangeira de tão loira, a pele tão branca chegava a azular. Esse Mundinho Falcão era um tolo. Porquê tanta briga se podia tudo resolver facilmente?»

Ouviu passos arrastados de Ramiro. Sentou-se.

 - Ora viva! Que milagre é esse? A que devo o prazer?

Apertavam-se as mãos. Altino impressionava-se com o velho: como quebrara naqueles meses, desde que o vira pela última vez. Antes parecia um tronco de árvore, como se a idade não lhe fizesse mossa, indiferente às tempestades e aos ventos, plantado em Ilhéus como para mandar por toda a eternidade. Dessa imponência só conservava o olhar dominador. Tremiam-lhe ligeiramente as mãos, os ombros curvavam-se, o passo tornara-se vacilante.
(Na imagem, Paulo Gracindo, o coronel Ramiro Bastos. É difícil um actor ser tão convincente no papel que desempenha como o foi Paulo Gracindo. Acompanhei em 1975, dia a dia, religiosamente, esta telenovela e registei para sempre esta figura. Não voltei a ver telenovelas... nada voltaria a ser como na Gabriela))

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