GABRIELA
CRAVO
E
CANELA
Episódio Nº 155
Passarinho preso em gaiola não
qui sera jamais. Dava-lhe pena. Só não
dissera para não ofender seu Nacib. Pensara lhe dar um presente, companhia para
casa, sofrê cantador. Canto tão triste, seu Nacib, tão triste! Não queria ofendê-lo,
tomaria cuidado. Não queria magoá-lo, diria que o pássaro tinha fugido.
Foi pró qui ntal, abriu a gaiola em frente da goiabeira. O
gato dormia. Voou o sofrê, num galho pousou, para ela cantou. Que trinado mais
claro e mais alegre! Gabriela sorriu. O gato acordou.
Das cadeiras de alto
espaldar
Pesadas cadeiras austríacas,
de alto espaldar, negras e torneadas, o couro trabalhado a fogo. Pareciam
colocadas ali para serem olhadas e admiradas, não para nelas sentar-se. A outro
qualquer intimidariam. De pé, o coronel Altino Brandão admirava mais uma vez a
sala. Na parede, como em sua casa, retratos coloridos – confeccionados por florescente
indústria paulista – do coronel Ramiro e sua falecida esposa, um espelho entre
os dois.
Num ângulo, um nicho com
santos. Em lugar de velas, minúsculas lâmpadas eléctricas, azuis, verdes,
vermelhas, uma boniteza.
Na outra parede pequenas
esteiras japonesas de bambu, onde se viam cartões postais, retratos de
parentes, estampas. Um piano ao fundo coberto com um xale negro de romagens cor
de sangue.
Quando Altino, do passeio,
cumprimentara Jerusa e perguntara se o coronel Ramiro Bastos estava e lhe podia
conceder dois minutos, a moça o fizera entrar para o corredor a separar as duas
salas da frente. Ouvira dali o movimento crescer na casa: puxavam ferrolhos das
janelas, desvestiam as cadeiras protegidas com invólucros de pano, a vassoira e
o espanador.
Aquela sala se abria apenas
nos dias de festa: aniversário do coronel, posse de novo intendente, recepção a
políticos importantes da Baía. Ou para visita inabitual e muito considerada.
Jerusa apareceu na porta, convidou-o:
- Quer entrar, coronel?
Raras vezes viera a casa de
Ramiro Bastos. Quase sempre em dias de festa, e novamente admirava a sala
luxuosa, prova inequívoca da riqueza e do poder do coronel.
- Vovô já vem… - sorria Jerusa e retirava-se
com uma inclinação de cabeça. «Linda moça, parecia até estrangeira de tão
loira, a pele tão branca chegava a azular. Esse Mundinho Falcão era um tolo.
Porquê tanta briga se podia tudo resolver facilmente?»
Ouviu passos arrastados de
Ramiro. Sentou-se.
- Ora viva! Que milagre é esse? A que devo o
prazer?
Apertavam-se as mãos. Altino
impressionava-se com o velho: como quebrara naqueles meses, desde que o vira
pela última vez. Antes parecia um tronco de árvore, como se a idade não lhe
fizesse mossa, indiferente às tempestades e aos ventos, plantado em Ilhéus como
para mandar por toda a eternidade. Dessa imponência só conservava o olhar
dominador. Tremiam-lhe ligeiramente as mãos, os ombros curvavam-se, o passo
tornara-se vacilante.
(Na imagem, Paulo Gracindo, o coronel Ramiro Bastos. É difícil um actor ser tão convincente no papel que desempenha como o foi Paulo Gracindo. Acompanhei em 1975, dia a dia, religiosamente, esta telenovela e registei para sempre esta figura. Não voltei a ver telenovelas... nada voltaria a ser como na Gabriela))
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