sexta-feira, setembro 07, 2012


GABRIELA
CRAVO
E
CANELA

Episódio Nº 186


- Novelas, no! Prosa de combate, de essas que removem montanhas e cambiam el mundo. O senhor já leu Kropotkine?

O poeta ilustre vacilou. Quis dizer que sim, o nome lhe era conhecido, achou melhor sair com uma grande frase:

 - A poesia está acima da política.

 - Y yo me cago en la poesia, senor mio – Estendia o dedo – Kropotkine es el más grande poeta de todos los tiempos!

Só muito exaltado ou muito bêbado falava espanhol sem mistura. – Mayor que él solo la dinamita. Viva la anarquia!

Já chegara alterado ao bar, e ali continuara a beber. Isso se passava exactamente uma vez por ano, e só uns poucos sabiam ser a forma como ele comemorava a morte de um irmão, fuzilado numa parada em Barcelona, muitos anos atrás.

Esse, sim, fora realmente um anarquista militante, cabeça de vento e fogo, coração sem medo. Felipe recolhera seus folhetos e livros, mas não levantara sua bandeira rota. Preferira sair de Espanha para escapar das suspeitas a envolvê-lo devido ao seu parentesco.

Ainda agora, porém, mais de vinte anos passados, fechava a oficina e embebedava-se no dia do aniversário da parada e das mortes na rua. Jurando voltar à Espanha para explodir bombas e vingar o irmão.

Bico Fino e Nacib conduziram o comemorativo espanhol para o reservado do pocker onde ele podia beber à vontade sem incomodar ninguém. Felipe apostrofava Nacib.

 - Que hiciste, serraceno infiel, de mi flor roja, de l agracia de Gabriela? Ténia ojos alegres, era una cancion, una alegria, una fiesta. Por quê la robaste para ti solamente, la pusiste em prisón? Sucio burguês…

Bico Fino trazia-lhe a garrafa da cachaça, botava-a na mesa.

O Doutor explicava ao poeta os motivos da bebedeira do espanhol, pedia-lhe desculpas. Felipe era um homem habitualmente muito educado, cidadão estimável, apenas uma vez por ano…

 - Compreendo perfeitamente. Um pifãozinho de vez em quando, isso se passa com pessoas até da mais alta-roda. Eu também não sou abstémio. Tomo a minha pingazinha…

Disso Ribeirinho entendia: de bebidas. Sentiu-se em terreno familiar e iniciou uma prelecção sobre os diversos tipos de cachaça. Em Ilhéus fabricavam uma, óptima, a «cana de Ilhéus»; era quase toda vendida para a Suíça, onde a bebiam como uísque.

O Mister – «o inglês director da Estrada de Ferro», explicava a Argileu – não bebia outra coisa. E era competente na matéria…

A explanação foi diversas vezes interrompida. Com a hora do aperitivo chegavam os fregueses, iam sendo apresentados ao vate. Ari Santos envolveu-o num abraço estreito, apertando-o contra si. Muito o conhecia de nome, e de leitura; aquela visita a Ilhéus ficaria nos anais da vida cultural da cidade.

O poeta, babado de gozo, agradecia. João Fulgêncio estudava-lhe o cartão, guardou-o cuidadosamente no bolso.
(Click na imagem, A paisagem é desoladora mas ela está deslumbrante...)

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