Raízes da Religião (Parte X)
Richard Dawkins
Será a religião irracional
um subproduto dos mecanismos de irracionalidade que, por via da selecção, foram
originariamente incorporados no cérebro com vista ao enamoramento?
É verdade que a fé religiosa
tem aspectos em comum com o enamoramento (e ambos têm muitas das
características da euforia induzida por uma droga viciante). O neuropsiqui atra John Smythies adverte para o facto de haver
diferenças significativas entre as áreas do cérebro activadas pelos dois tipos
de mania. Contudo, observa também algumas semelhanças:
- Uma faceta das muitas faces da religião é o
amor intenso centrado numa pessoa sobrenatural, isto é, em Deus, acompanhado da
veneração de ícones dessa pessoa. A vida humana é, em grande parte, impelida
pelos nossos genes egoístas e por processos de reforço.
É grande o reforço de tipo
positivo originado pela religião: sentimentos reconfortantes e calorosos por
sermos amados e protegidos num mundo perigoso, perda do medo da morte, auxílio
vindo não se sabe de onde em resposta a preces em tempos difíceis, etc.
De igual modo, o amor
romântico por outra pessoa real (geralmente do sexo oposto) apresenta a mesma
concentração intensa no outro e reforços positivos. Estes sentimentos podem ser
desencadeados por ícones do outro, tal como cartas, fotografias e mesmo
madeixas de cabelo, como se usava na época vitoriana.
O estado de enamoramento
faz-se acompanhar de inúmeras manifestações fisiológicas, como por exemplo,
suspirar longa e repetidamente.
Fiz a comparação entre
enamoramento e religião em 1993, escrevendo na altura que os sintomas de um
indivíduo infectado pela religião «podem ser surpreendentemente reminiscentes
daqueles que habitualmente associamos ao amor sexual.
Trata-se de uma força extremamente
potente que há no cérebro e não admira que alguns vírus tenham evoluído no
sentido de a explorar (vírus, neste contexto é uma metáfora para religiões.)
O filósofo Anthony Kenny
(ordenado padre, regressa depois à sua condição laica por se ter tornado
agnóstico) dá um testemunho comovente do grande deleite daqueles que conseguem
acreditar no mistério da transubstanciação (acreditar na presença real de
Cristo na eucaristia).
Depois de descrever a sua
ordenação como padre católico habilitado a celebrar missa pela imposição das
mãos, recorda vividamente a exaltação dos primeiros meses em que deteve o poder
de rezar missa. Ele próprio diz:
- "Normalmente era lento e preguiçoso a
levantar-me pela manhã, agora saltava cedo da cama, bem desperto e muito entusiasmado
só de pensar no momentoso acto que tinha o privilégio de desempenhar…
O tocar o corpo de Cristo, a
proximidade entre o padre e Jesus, era o que mais me enlevava. Olhava fixamente
para a hóstia depois das palavras da consagração, de olhar lânguido como um
amante que mira os olhos da sua amada."
O equi valente
da reacção das traças à bússola luminosa é o hábito aparentemente irracional, e
no entanto útil, de nos apaixonarmos por um, e só um, membro do sexo oposto.
O subproduto falhado – o equi valente a voarmos na direcção da chama – é
apaixonarmo-nos por Javé (ou pela Virgem Maria, ou por uma rodela de batata, ou
por Alá) e levar a cabo actos irracionais motivados por esse amor.
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