quinta-feira, setembro 13, 2012


GABRIELA
CRAVO
E
CANELA

Episódio Nº 191

Assim, vira e ouvira Josué declamar, de pé, estrofes onde rolavam seios e nádegas em profusão, ventres nus, beijos pecaminosos, amplexos e cópulas, bacanais incríveis. Até Nacib aplaudiu. O Doutor citara o nome de Teodoro de Castro, Argileu erguera o cálice:

 - Teodoro de Castro, o grande Teodoro! Inclino-me ante o cantor de Ofenísia, bebo à sua memória. – beberam todos. O vate recordava trechos de poemas de Teodoro, alterando-os aqui e ali:

Graciosa, na janela reclinada
Ofenísia, ao luar, aos gritos…

 - «Em prantos» … – corrigia o Doutor.

A história de Ofenísia, relembrada entre brindes, puxou outras, surgiram os nomes de Sinhàzinha e Osmundo, e daí partiram para as anedotas. Como Nacib rira… O Capitão desfilara seu reportório inesgotável .  O augusto vate também sabia contar. Sua voz tonitruante abria-se numa gargalhada que abalava a praça, ia morrer nos rochedos.

Funcionava também o reservado do pocker: Amâncio Leal jogava alto com o Dr. Ezequiel, o sírio Maluf, Ribeirinho e Manuel das Onças. Um pocker de cinco, animado.

Nacib chegara a casa cansado, morto de sono. Atirou-se na cama. Gabriela despertou como fazia todas as noites:

 - Seu Nacib… Demorou… Já sabe do acontecido?

Nacib bocejava, seus olhos fitavam o corpo a mostrar-se entre os lençóis, aquele corpo de mistério diariamente renovado; uma chama leve de desejo nasceu entre o cansaço e o sono.

Tou morrendo de sono. Que aconteceu?

Estendia-se, dobrava a perna sobre a anca de Gabriela.

 - Tuísca agora é artista.

 - Artista? Que história é essa?

 - No circo. Vai representar…

A mão do árabe subia-lhe, cansada, pelas pernas.

 - Representar’ No circo? Não sei do que você está falando.

 - Como pode saber? – Gabriela sentava-se na cama, não podiam existir notícias mais sensacionais – Ele teve aqui depois do jantar e me contou… – Fazia cócegas em Nacib para despertá-lo e o despertou.

- Tu tá querendo? – Riu debochado – Pois vai ter…

Mas ela contava de Tuísca e do circo, convidava:

 - Seu Nacib bem podia ir amanhã com eu e com Dª. Arminda. Pra ver Tuísca. Deixava o bar um tiquinho de tempo. Amanhã não dá jeito. Amanhã vamos os dois a uma conferência.

 - Uma o quê, seu Nacib?

 - Conferência, Bié. Chegou um Doutor, um poeta. Faz cada verso que só vendo. É formidável, basta dizer que é doutor duas vezes… Um sabichão. Tava todo o mundo rodeando ele, hoje. Um tal de discutir, de dizer versos… coisa supimpa. Vai fazer conferência amanhã, na Intendência. Comprei dois bilhetes, pra mim e você.
(A assistência televisiva à nova telenovela da Gabriela, Cravo e Canela, que não a reposição da antiga, continuou a arrasar toda a concorrência o que, apesar de eu não a ver, deixa-me feliz porque abona a favor do reconhecimento da qualidade das histórias de Jorge Amado, meu escritor de eleição. Os filmes e telenovelas, quando bem feitos, sobre obras literárias, estão para os respectivos livros como os rebuçados estão para as refeições... Seria uma desonra para o público português não destacar a Gabriela relativamente às outras telenovelas. Pelo menos, ainda não se perdeu de todo o bom gosto...)

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