GABRIELA
CRAVO
E
CANELA
Episódio Nº 191
Assim, vira e ouvira Josué declamar, de
pé, estrofes onde rolavam seios e nádegas em profusão, ventres nus, beijos
pecaminosos, amplexos e cópulas, bacanais incríveis. Até Nacib aplaudiu. O
Doutor citara o nome de Teodoro de Castro, Argileu erguera o cálice:
-
Teodoro de Castro, o grande Teodoro! Inclino-me ante o cantor de Ofenísia, bebo
à sua memória. – beberam todos. O vate recordava trechos de poemas de Teodoro,
alterando-os aqui e ali:
Graciosa, na janela reclinada
Ofenísia, ao luar, aos
gritos…
- «Em prantos» … – corrigia o Doutor.
A história de Ofenísia,
relembrada entre brindes, puxou outras, surgiram os nomes de Sinhàzinha e
Osmundo, e daí partiram para as anedotas. Como Nacib rira… O Capitão desfilara
seu reportório inesgotável . O augusto
vate também sabia contar. Sua voz tonitruante abria-se numa gargalhada que
abalava a praça, ia morrer nos rochedos.
Funcionava também o
reservado do pocker: Amâncio Leal jogava alto com o Dr. Ezequi el, o sírio Maluf, Ribeirinho e Manuel das Onças.
Um pocker de cinco, animado.
Nacib chegara a casa
cansado, morto de sono. Atirou-se na cama. Gabriela despertou como fazia todas
as noites:
- Seu Nacib… Demorou… Já sabe do acontecido?
Nacib bocejava, seus olhos
fitavam o corpo a mostrar-se entre os lençóis, aquele corpo de mistério
diariamente renovado; uma chama leve de desejo nasceu entre o cansaço e o sono.
Tou morrendo de sono. Que
aconteceu?
Estendia-se, dobrava a perna
sobre a anca de Gabriela.
- Tuísca agora é artista.
- Artista? Que história é essa?
- No circo. Vai representar…
A mão do árabe subia-lhe,
cansada, pelas pernas.
- Representar’ No circo? Não sei do que você
está falando.
- Como pode saber? – Gabriela sentava-se na
cama, não podiam existir notícias mais sensacionais – Ele teve aqui depois do jantar e me contou… – Fazia cócegas em
Nacib para despertá-lo e o despertou.
- Tu tá querendo? – Riu
debochado – Pois vai ter…
Mas ela contava de Tuísca e
do circo, convidava:
- Seu Nacib bem podia ir amanhã com eu e com
Dª. Arminda. Pra ver Tuísca. Deixava o bar um tiqui nho
de tempo. Amanhã não dá jeito. Amanhã vamos os dois a uma conferência.
- Uma o quê, seu Nacib?
- Conferência, Bié. Chegou um Doutor, um
poeta. Faz cada verso que só vendo. É formidável, basta dizer que é doutor duas
vezes… Um sabichão. Tava todo o mundo rodeando ele, hoje. Um tal de discutir,
de dizer versos… coisa supimpa. Vai fazer conferência amanhã, na Intendência.
Comprei dois bilhetes, pra mim e você.
(A assistência televisiva à nova telenovela da Gabriela, Cravo e Canela, que não a reposição da antiga, continuou a arrasar toda a concorrência o que, apesar de eu não a ver, deixa-me feliz porque abona a favor do reconhecimento da qualidade das histórias de Jorge Amado, meu escritor de eleição. Os filmes e telenovelas, quando bem feitos, sobre obras literárias, estão para os respectivos livros como os rebuçados estão para as refeições... Seria uma desonra para o público português não destacar a Gabriela relativamente às outras telenovelas. Pelo menos, ainda não se perdeu de todo o bom gosto...)
<< Home