segunda-feira, outubro 22, 2012


Nacib está queixoso...
GABRIELA
CRAVO
 E
CANELA

Episódio Nº 124


Dos Sabores e Dissabores do Matrimónio

Aquela noite dos elementos desencadeados na cama, noite de inesquecível lembrança – Gabriela a consumir-se como um fogo, Nacib a nascer e a morrer nessa terrível e doce labareda – teve melancólicas consequências.

Nacib pensara, feliz, ser o retorno às noites de outrora, após um longo hiato de serenas águas do rio. Hiato devido a tolos e pequenos aborrecimentos. Tonico, consultado em encabuladas confidências, atribuía a mudança ao matrimónio, diferenças subtis entre amor de esposa e o amor de amante.

Também podia ser, mas Nacib duvidava. Porque então não sucedera logo após o casamento? Continuaram por algum tempo as mesmas noites alucinadas de antes, ele acordando tarde no dia seguinte, chegando ao bar fora do horário.

A mudança fizera-se visível quando começaram os desentendimentos. Gabriela devia ter-se zangado bem mais do que demonstrava em aparência.

Talvez ele houvesse exigido em demasia, sem levar em conta a maneira de ser da sua mulher, querendo transformá-la de um dia para o outro numa senhora de alta-roda, da nata ilheense, arrancando-lhe, quase à força hábitos arreigados. Sem paciência para educá-la aos poucos. Ela queria ir ao circo, ele a arrastava a conferência enfadonha, soporífera.

Não a deixava rir por um tudo e por um nada como era seu costume. Repreendi-a a todo o momento, por ninharias, no desejo de torná-la igual às senhoras dos médicos e dos advogados, dos coronéis e comerciantes. “Não fale alto, é feio”, cochichava-lhe no cinema. “Sente-se direito, não estenda as pernas, feche os joelhos”. “Com esses sapatos, não. Bote os novos, para que os tem?” “Ponha um vestido decente”. Vamos hoje visitar minha tia. Veja como se comporta”. “Não podemos deixar de ir à sessão do Grémio Rui Barbosa”. (Poetas a declamar, a ler papéis que ela não entendia, um xarope medonho.)

“Hoje Dr. Maurício vai falar na Associação Comercial, temos que ir” (Ouvir a Bíblia inteirinha, xaropada!) “Vamos visitar Dª Olga, se é aborrecida, não sei, é nossa madrinha”. Porque não usa suas jóias, comprei para quê?

Terminara certamente por magoá-la, se bem ela não o demonstrasse no rosto e no trato diário. Discutia, isso sim. Sem alterar a voz, querendo saber o porquê de cada exigência, um pouco triste, talvez, pedindo por vezes que não a obrigasse. Mas terminando sempre por fazer-lhe a vontade, ceder às suas ordens, cumprir suas determinações. Não falava mais nisso depois. Apenas mudara na cama, como se aquelas discussões – nem chegavam a ser brigas – e exigências refreassem o seu ardor, contivessem seu desejo, esfriassem seu peito.

 Se ele a procurava para ele se abria como a corola de uma flor. Mas não vinha sedenta e esfomeada como antes. Só naquela noite, quando ele voltara de tarde tão fatigante, no dia do tiro no coronel Aristóteles, ela estivera como antes, quem sabe ainda mais apaixonada?

Depois retornara à água mansa, o tranquilo sorriso, o  entregar-se gostosa e passiva, se ele tomava a iniciativa. De propósito passou três dias seguidos sem procurá-la. Ela acordava ao senti-lo chegar, beijava-o no rosto, metia a anca sob a sua perna, dormia a sorrir. No quarto dia, ele não pôde mais, lhe atirou na cara:

 - Tu nem liga…

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