CRAVO
E
CANELA
E
CANELA
Episódio Nº 124
Dos Sabores e Dissabores do Matrimónio
Aquela noite dos elementos
desencadeados na cama, noite de inesquecível lembrança – Gabriela a consumir-se
como um fogo, Nacib a nascer e a morrer nessa terrível e doce labareda – teve
melancólicas consequências.
Nacib pensara, feliz, ser o
retorno às noites de outrora, após um longo hiato de serenas águas do rio.
Hiato devido a tolos e pequenos aborrecimentos. Tonico, consultado em
encabuladas confidências, atribuía a mudança ao matrimónio, diferenças subtis
entre amor de esposa e o amor de amante.
Também podia ser, mas Nacib
duvidava. Porque então não sucedera logo após o casamento? Continuaram por
algum tempo as mesmas noites alucinadas de antes, ele acordando tarde no dia
seguinte, chegando ao bar fora do horário.
A mudança fizera-se visível
quando começaram os desentendimentos. Gabriela devia ter-se zangado bem mais do
que demonstrava em aparência.
Talvez ele houvesse exigido
em demasia, sem levar em conta a maneira de ser da sua mulher, querendo
transformá-la de um dia para o outro numa senhora de alta-roda, da nata
ilheense, arrancando-lhe, quase à força hábitos arreigados. Sem paciência para
educá-la aos poucos. Ela queria ir ao circo, ele a arrastava a conferência enfadonha,
soporífera.
Não a deixava rir por um
tudo e por um nada como era seu costume. Repreendi-a a todo o momento, por
ninharias, no desejo de torná-la igual às senhoras dos médicos e dos advogados,
dos coronéis e comerciantes. “Não fale alto, é feio”, cochichava-lhe no cinema.
“Sente-se direito, não estenda as pernas, feche os joelhos”. “Com esses
sapatos, não. Bote os novos, para que os tem?” “Ponha um vestido decente”.
Vamos hoje visitar minha tia. Veja como se comporta”. “Não podemos deixar de ir
à sessão do Grémio Rui Barbosa”. (Poetas a declamar, a ler papéis que ela não
entendia, um xarope medonho.)
“Hoje Dr. Maurício vai falar
na Associação Comercial, temos que ir” (Ouvir a Bíblia inteirinha, xaropada!)
“Vamos visitar Dª Olga, se é aborrecida, não sei, é nossa madrinha”. Porque não
usa suas jóias, comprei para quê?
Terminara certamente por
magoá-la, se bem ela não o demonstrasse no rosto e no trato diário. Discutia,
isso sim. Sem alterar a voz, querendo saber o porquê de cada exigência, um
pouco triste, talvez, pedindo por vezes que não a obrigasse. Mas terminando
sempre por fazer-lhe a vontade, ceder às suas ordens, cumprir suas
determinações. Não falava mais nisso depois. Apenas mudara na cama, como se
aquelas discussões – nem chegavam a ser brigas – e exigências refreassem o seu
ardor, contivessem seu desejo, esfriassem seu peito.
Se ele a procurava para ele se abria como a
corola de uma flor. Mas não vinha sedenta e esfomeada como antes. Só naquela
noite, quando ele voltara de tarde tão fatigante, no dia do tiro no coronel
Aristóteles, ela estivera como antes, quem sabe ainda mais apaixonada?
Depois retornara à água
mansa, o tranqui lo sorriso, o entregar-se gostosa e passiva, se ele tomava
a iniciativa. De propósito passou três dias seguidos sem procurá-la. Ela
acordava ao senti-lo chegar, beijava-o no rosto, metia a anca sob a sua perna,
dormia a sorrir. No quarto dia, ele não pôde mais, lhe atirou na cara:
- Tu nem liga…
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