terça-feira, novembro 13, 2012

A festa passou do salão para a rua

GABRIELA
CRAVO
E
CANELA

Episódio Nº 138


Tonico, como um sacerdote num ricto difícil, rodava Dª Olga no tango argentino. Rapazes e moças riam e brincavam, dançando sobretudo na sala de trás, onde haviam proibido a entrada dos velhos. A irmã de Nacib e seu marido dançavam também empertigados. Aparentavam não vê-la.

Por voltas das onze horas, quando já o sereno se reduzira a umas poucas pessoas – há muito Glória se retirara e com ela o coronel Coriolano – ouviu-se, vindo da rua, música de cavaquinho e violões, de flautas e pandeiros. E vozes a cantar cantigas de reisado.

Gabriela elevou a cabeça. Enganar-se não podia. Era o terno de Dora. Parou em frente ao Clube Progresso, silenciou a orquestra no baile, todos correram para as janelas e portas.

Gabriela enfiou o sapato, foi das primeiras a chegar ao passeio. Nacib a ela se reuniu, a irmã e o cunhado estavam bem perto, simulavam não vê-la.

As pastorinhas com as lanternas, Miquelina com o estandarte. Nilo, o ex-marinheiro, com um apito na boca, comandava o cantar e o dançar. Da Praça Seabra, na mesma hora vinham o boi, o vaqueiro, a caapora, o bumba-meu-boi. Dançando na rua. As pastorinhas cantavam.

Sou linda pastorinha
Venho Jesus adorar.
No presépio de Belém
Os reis magos saudar.

Ali não pediam entrada, não se atreviam a perturbar a festa dos ricos. Mas Plínio Araça, à frente de garçons, trouxera garrafas de cerveja, distribuía. O boi descansava um minuto, a beber. A caapora também.

Voltavam a dançar e a cantar. Miquelina no meio, levantando o estandarte, rebolando as ancas magras, seu Nilo apitando. A rua se enchera com a gente do baile. Rapazes e moças riam, aplaudiam.

Sou linda pastorinha
De prata, ouro e luz.
Com meu conto adormeço
O Menino Jesus.

Gabriela não enxergava mais nada além do terno de reis, das pastoras com suas lanternas, Nilo com seu apito, Miquelina com o estandarte. Não via Nacib, não via Tonico, não via ninguém. Nem mesmo a cunhada de nariz insolente. Seu Nilo apitava, as pastoras formavam, o bumba-meu-boi já ia adiante. Outra vez apitava, as pastoras dançavam, Miquelina volteava o estandarte na noite.

As pastorinhas já vão
Noutra parte cantar…

Iam noutra parte cantar, pelas ruas dançar. Gabriela descalçou os sapatos, correu para a frente, arrancou o estandarte das mãos de Miquelina. Seu corpo rodou, suas ancas partiram, seus pés libertados a dança criaram. O terno marchava, a cunhada exclamou: «Óh!»

Jerusa olhou e viu Nacib quase a chorar, a cara parada de vergonha e tristeza. E então também ela avançou, tomou a lanterna de uma pastora, se pôs a dançar. Avançou um rapaz, um outro também. Iracema tomou a lanterna de Dora. Mundinho Falcão tirou o apito da boca de Nilo. O mister e a mulher caíram na dança. A Srª de João Fulgêncio, alegre mãe de seis filhos, a bondade em pessoa, entrava no terno. Outras senhoras também, o Capitão, Josué. O baile inteiro na rua a brincar. No rabo do terno, a irmã de Nacib e seu marido doutor. Na frente, Gabriela, o estandarte na mão.

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