A festa passou do salão para a rua |
GABRIELA
CRAVO
E
CANELA
Episódio Nº 138
Tonico, como um sacerdote num ricto
difícil, rodava Dª Olga no tango argentino. Rapazes e moças riam e brincavam,
dançando sobretudo na sala de trás, onde haviam proibido a entrada dos velhos.
A irmã de Nacib e seu marido dançavam também empertigados. Aparentavam não
vê-la.
Por voltas das onze horas, quando já o
sereno se reduzira a umas poucas pessoas – há muito Glória se retirara e com
ela o coronel Coriolano – ouviu-se, vindo da rua, música de cavaqui nho e violões, de flautas e pandeiros. E vozes a
cantar cantigas de reisado.
Gabriela elevou a cabeça. Enganar-se não
podia. Era o terno de Dora. Parou em frente ao Clube Progresso, silenciou a
orquestra no baile, todos correram para as janelas e portas.
Gabriela enfiou o sapato, foi das
primeiras a chegar ao passeio. Nacib a ela se reuniu, a irmã e o cunhado
estavam bem perto, simulavam não vê-la.
As pastorinhas com as lanternas,
Miquelina com o estandarte. Nilo, o ex-marinheiro, com um apito na boca,
comandava o cantar e o dançar. Da Praça Seabra, na mesma hora vinham o boi, o
vaqueiro, a caapora, o bumba-meu-boi. Dançando na rua. As pastorinhas cantavam.
Sou linda pastorinha
Venho Jesus adorar.
No presépio de Belém
Os reis magos saudar.
Ali não pediam entrada, não se atreviam
a perturbar a festa dos ricos. Mas Plínio Araça, à frente de garçons, trouxera
garrafas de cerveja, distribuía. O boi descansava um minuto, a beber. A caapora
também.
Voltavam a dançar e a cantar. Miquelina
no meio, levantando o estandarte, rebolando as ancas magras, seu Nilo apitando.
A rua se enchera com a gente do baile. Rapazes e moças riam, aplaudiam.
Sou linda pastorinha
De prata, ouro e luz.
Com meu conto adormeço
O Menino Jesus.
Gabriela não enxergava mais nada além do
terno de reis, das pastoras com suas lanternas, Nilo com seu apito, Miquelina
com o estandarte. Não via Nacib, não via Tonico, não via ninguém. Nem mesmo a
cunhada de nariz insolente. Seu Nilo apitava, as pastoras formavam, o
bumba-meu-boi já ia adiante. Outra vez apitava, as pastoras dançavam, Miquelina
volteava o estandarte na noite.
As pastorinhas já vão
Noutra parte cantar…
Iam noutra parte cantar, pelas ruas
dançar. Gabriela descalçou os sapatos, correu para a frente, arrancou o
estandarte das mãos de Miquelina. Seu corpo rodou, suas ancas partiram, seus
pés libertados a dança criaram. O terno marchava, a cunhada exclamou: «Óh!»
Jerusa olhou e viu Nacib quase a chorar,
a cara parada de vergonha e tristeza. E então também ela avançou, tomou a
lanterna de uma pastora, se pôs a dançar. Avançou um rapaz, um outro também.
Iracema tomou a lanterna de Dora. Mundinho Falcão tirou o apito da boca de
Nilo. O mister e a mulher caíram na dança. A Srª de João Fulgêncio, alegre mãe
de seis filhos, a bondade em pessoa, entrava no terno. Outras senhoras também,
o Capitão, Josué. O baile inteiro na rua a brincar. No rabo do terno, a irmã de
Nacib e seu marido doutor. Na frente, Gabriela, o estandarte na mão.
<< Home