Que bem lhe ficam estas flores. |
GABRIELA
CRAVO
E
CANELA
Episódio Nº 151
Continuava na papelaria a
discussão.
- A fidelidade é a maior prova de amor – Dizia
Nhô-Galo.
- É a única medida com que se pode calcular as
dimensões de um amor – apoiava o Capitão.
O amor não se prova, nem se
mede. É como Gabriela. Existe, e isso basta - falou João Fulgêncio – O facto de
não se compreender ou explicar uma coisa não acaba com ela. Nada sei das
estrelas, mas vejo no céu, são a beleza da noite.
Da Vida Surpreendente
Aquela primeira noite na casa
sem Gabriela: dolorosa de sua recordação vazia de sua presença. Em vez de seu
sorriso a esperá-lo, a humilhação a machucar, a certeza de não se tratar de um
pesadelo, de ter acontecido aquela coisa impossível, nunca imaginada.
A casa vazia sem Gabriela,
cheia de lembranças e sentimentos. Enxergava Tonico sentado na borda do leito. A
raiva, a tristeza, o saber que tudo terminara, que ela não estava, que era de
outro, que não mais a teria.
Noite cansada, fatigante,
como se ele carregasse todo o peso da Terra, longa como o fim do mundo. Nunca
mais iria acabar. Aquela dor funda, aquele vazio, não saber o que fazer, não
saber para que viver, para que trabalhar.
Os olhos secos de lágrimas,
o peito rasgado a punhal. Sentado na beira da cama, impossível dormir. Nunca
mais dormiria nessa noite apenas começada, noite a durar a vida inteira.
De Gabriela ficara
entranhado nos lençóis, no colchão o perfume de cravo. Dentro de suas narinas.
Não podia olhar para a cama porque a via, deitada, nua, os seios erguidos, a
curva das ancas, a sombra veludosa das coxas, a terra plantada no ventre.
Sua cor de canela onde em violeta Nacib
deixava, nos ombros, no peito, a marca dos lábios. O dia acabara para sempre,
aquela noite em seu peito duraria todo a vida, murchos bigodes caídos para
nunca mais, um travo amargo na boca para sempre amarga, não voltaria a sorrir,
jamais!
Alguns dias depois já
sorria, ouvindo, no Vesúvio, Nhô-Galo imprecar contra os padres. Foram difíceis
as primeiras semanas. Semanas vazias de tudo, plenas de sua ausência.
Cada coisa, cada pessoa a
trazia de volta. Olhava o balcão e ela lá estava, de pé, uma flor atrás da
orelha. Olhava a Igreja e a via chegando, os pés nas chinelas. Olhava o Tuísca
e ei-la na roda a dançar, cantando cantigas.
Chegava o Doutor, falava
em Ofenísia, ele ouvia Gabriela. Jogavam o Capitão e Felipe, seu rir cristalino
soava no bar. Pior ainda em casa: em cada canto a enxergava, a cozinhar no fogão,
a sentar-se ao sol no batente da porta, a morder goiabas no qui ntal, a apertar a cara do gato contra seu rosto,
a mostrar o dente de ouro, a esperá-lo sob o luar no quartinho dos fundos.
Nem se dava conta de uma
particularidade dessas lembranças a acompanhá-lo durante semanas, no bar, na
rua, em casa. É que jamais a recordava no tempo de casados (ou de amigados,
como explicava aos demais: tudo não passara de imaginação).
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