Sobressae o azul dos olhos |
CRAVO
E
CANELA
Episódio Nº 131
Chegavam estudantes em todos os navios.
Só não desembarcava Malvina, interna no Colégio das Mercês. Primeiro pensaram
que Melk Tavares, aumentando o castigo, resolvera privá-la de férias.
Mas quando Melk viajou inesperadamente
para a capital e voltou sozinho como partira, o rosto sombrio, envelhecido dez
anos, se soube a verdade. Malvina fugira sem deixar rasto, aproveitando a
confusão da partida para férias, o colégio em desordem.
Melk chamara a polícia, na Baía não
estava. Comunicou-se com o Rio, não a encontraram. Todos pensaram que fora
amigar-se com Rómulo Vieira, o engenheiro da barra. Outro motivo não podia
explicar a fuga sensacional, prato suculento para as solteironas. Até João
Fulgêncio assim pensou. E só veio a alegrar-se quando soube que o engenheiro,
chamado à polícia no Rio, provara nada saber de Malvina, não ter nenhuma
notícia da moça desde sua volta de Ilhéus.
Não sabia nem queria saber. Foi então o
mistério completo, ninguém entendia, profetizavam sua volta próxima,
arrependida.
João Fulgêncio não acreditava no
regresso da moça, a solicitar perdão:
-
Não volta, tenho a certeza. Aquela vai longe, sabe o que faz.
Muitos meses depois, em plena safra do
ano seguinte, noticiou-se que ela trabalhava em São Paulo , num
escritório, estudando à noite, vivendo sozinha. A mãe reviveu, nunca mais saíra
de casa. Melk recusou-se a ouvir uma palavra sequer:
-
Não tenho mais filha!
Mas tudo isso sucedeu tempos depois.
Naquele fim de ano, Malvina era apenas escândalo indecente, mau exemplo citado,
a dar razão aos veementes discursos do Dr. Maurício, em antecipada campanha
eleitoral.
As eleições seriam em Maio, mas já o
causídico aproveitava todas as ocasiões para deitar o verbo, conclamando o povo
a restaurar a perdida decência de Ilhéus. No entanto, pouca gente parecia
disposta a fazê-lo, os novos costumes penetravam em toda a parte, mesmo dentro
dos lares, agravavam-se no fim do ano com a vinda dos estudantes.
Todos eles aderiram ao Capitão. Até um
jantar lhe ofereceram no bar de Nacib, ao «futuro Intendente – como o saudou o
terceiranista de Direito, Estêvão Ribeiro, filho do coronel Coriolano, apesar
de seu pai ser dos fiéis a Ramiro Bastos – que irá libertar Ilhéus do atraso,
da ignorância e dos costumes de aldeia, candidato à altura do progresso a
iluminar com o raio da cultura a capital do cacau».
Pior ainda era o filho de Amâncio Leal:
enfrentou-se com o pai, em intermináveis discussões:
-
Não tem jeito, meu pai, o senhor deve entender. Padrinho Ramiro é o passado.
Mundinho Falcão é o futuro – estudava engenharia em São Paulo , só falava em
máqui nas, em estradas, em progresso.
O senhor tem razão em ficar com ele.
Razão sentimental, afectiva que eu respeito. Eu não posso acompanhá-lo. O
senhor deve também compreender – e metia-se com os engenheiros e técnicos da
barra, vestiu escafandro, desceu ao fundo do canal.
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