sexta-feira, novembro 02, 2012

"Tonico Bastos, um inútil, só pensava em mulheres..."

GABRIELA
CRAVO
E
CANELA

Episódio Nº 132

Amâncio ouvia, opunha argumentos, deixava-se vencer. Orgulhoso daquele filho, aluno brilhante, com notas altas nos exames:

 - Quem sabe, tu tem razão, os tempos são outros. Só que eu comecei junto com compadre Ramiro. Tu nem tinha nascido. A gente correu perigo junto, eu era um rapaz, ele era um senhor. Junto a gente derramou sangue, junto enriçou. Não vou largar ele nessa hora, o homem morrendo cheio de desgosto.

 - O senhor tem razão. Eu também tenho. Gosto do padrinho mas, se eu votasse, não votava com ele.

Para Amâncio eram horas felizes aquelas pela manhã cedinho, quando ia saindo para a banca de peixe e Berto, o filho, vinha chegando da farra nocturna. Ficavam conversando. Seu filho mais velho, tanto gosto lhe dava, aplicado aos estudos. Aproveitava para lhe avisar, num conselho:

 - Tu anda metido com mulher de Florêncio – um coronel idoso que casara com fogosa filha de sírios, na Baía, ainda moça e dona de imensos olhos langorosos. Entrando de noite em casa dele, pela porta do fundo. Tem tanta mulher em Ilhéus, nos cabarés. Não te chega? Porque tu te mete com mulher casada? Florêncio não nasceu para chifrudo. Se chega a saber… Não tou com vontade de botar jagunço para te seguir. Acaba com isso, Berto. Tu me tira o sossego. – Ria-se por dentro, era um danado seu filho, botando chifres no pobre Florêncio.

 - Não tenho culpa, meu pai ela estava me dando linha demais. Não sou feito de pau. Mas fique tranquilo, ela vai viajar para a Baía, passar as festas. Afinal, meu pai quando é que vai acabar em Ilhéus esse costume de matar mulher que engana marido? Nunca vi terra assim!

A gente não pode se esgueirar de uma casa, às quatro da madrugada, que logo se abrem todas as janelas da rua para espiar.

Amâncio Leal fitava o filho com seu olho são, cheio de ternura.

 - Oposicionista de uma figa…

Invariavelmente, todos os dias, visitava Ramiro. O velho comandava a campanha, apoiando-se nele e em Melk, em Coriolano e poucos mais. Alfredo, aproveitando as férias da Câmara, viajava pelo interior, visitava eleitores.

Tonico era um inútil, só pensava em mulheres. Amâncio ficava ouvindo Ramiro falar, dava-lhe notícias animadoras, chegava a mentir. Sabia que as eleições estavam perdidas. Para manter-se, Ramiro, ia depender do Governo, da degola dos adversários no reconhecimento de poderes.

Mas nem queria que se falasse nisso. Considerava seu prestígio inabalável, dizia que o povo estava com ele. Como prova citava a mulher de Nacib, vindo de noite, afrontando a cidade, salvar os seus nomes e o de Melk. Evitando aparecessem publicamente envolvidos no processo do atentado a Aristóteles, o que sucederia na certa se o negro fosse apanhado pelos jagunços. Sobretudo com aquela velhacaria do Tribunal de Justiça designando um promotor especialmente para acompanhar o processo.

- Pois eu acho, compadre, que o negro morria e não falava. É um negro correcto, pena ter errado o tiro.

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