quarta-feira, dezembro 19, 2012


ISABEL Rainha Santa (III)

Sucedeu atravessar o reino um ano de grande carestia a ponto dos homens correrem os matos como loucos e caírem ao chão mortos de fome.

Isabel mandou abrir os celeiros reais e encomendou aos mercadores estrangeiros trigo a todo o preço. Como nesta conjuntura fosse até empenhar as jóias, os oficiais, de sua casa observaram-lhe:

 - Repare, senhora, que amanhã terá a fome no palácio…

 - Ao que ela respondeu:

 - Deus se amerceará de nós!

 E, de verdade, nunca na vida desta rainha, pródiga e freneticamente mãos-rotas, se viu o fundo às tulhas do rei lavrador e ao cofre da nação.

D. Dinis, absorvido pelos negócios do Estado, em correrias por Castela ou contra o infante, na caça e nos prazos-dados das suas muitas concubinas, não punha embargos à generosidade de Isabel.

A sua índole de homem prático e laborioso, com um instinto muito justo das realidades, devia repugnar aquele delírio de fazer bem que se assoberbara da mulher.

Diante dos seus olhos, muitas vezes desfilaram hordas de mendigos, parasitas viciosos e madraços sem ofício de permeio com lázaros e aleijadinhos, dignos de piedade. Mas fechava os olhos, porque não era escasso por natureza, embora longe de perdulário, e porque sentia, talvez, no exercício daquela inveterada largueza a derivante de uma vida moral a que ele faltara com a componente indispensável do seu carinho de esposo.

Que medidas tomar, aliás, contra uma fraca e doce criatura que sabia tão bem sorrir, que sabia tão bem chorar, e a favor de quem Terra e Céu se conjuravam?

E havia de lembrar-se sempre, daquele dia de Verão, na véspera de uma montaria quando, ao visitar os canis e as gaiolas dos falcões, o moço da matilha se lhe queixou que os sobejos da mesa, a rainha os distribuíra pela gentalha que a toda a hora se apinhava à porta do castelo.

Ficou o Rei muito sentido com aquela nova e, no dia seguinte, adiando a jornada, deu-se a espiar a esposa. E quando ela, após o primeiro repasto se dirigia para a portada com o regaço cheio, saiu-lhe o Rei ao encontro e disse:

 - Quero saber, senhora o que levais aí…

Com a surpresa e o susto caiu o regaço à rainha. E rosas, infinitas rosas, de muitas cores, de fragrância nunca sentidas, juncaram o chão e perfumaram o ar em volta.

O Rei, vendo aquele milagre, ajoelhou e beijou a mão que dissipava pelos pobres da Terra riquezas que, por fabulosas e inesgotáveis, só podiam vir do céu. 

Site Meter