quinta-feira, dezembro 20, 2012

O véo  prto faz a diferença

GABRIELA
CRAVO
E
CANELA

Episódio Nº 169

Mas o consumo de bebidas diminuíra e, com ele, os lucros. Muitos ficavam no primeiro cálice, outros não vinham mais todos os dias. Aquela ascensão fulminante do Vesúvio sofrera uma pausa e mesmo um decréscimo nas rendas. E isto quando o dinheiro rolava fácil na cidade, todo o mundo gastando nas lojas e nos cabarés.

Precisava tomar uma providência, despedir a cozinheira, arranjar outra, custasse o que custasse. Em Ilhéus era impossível, ele tinha experiência. Conversando sobre o assunto com D. Arminda, a parteira tivera a coragem de lhe aconselhar:

 - Uma coincidência, seu Nacib. Tive pensando que boa cozinheira para o senhor é mesmo Gabriela. Não vejo outra.

Teve de conter-se para não soltar um palavrão. Essa D. Arminda andava cada vez mais maluca. Também não saía da sessão de espírita, a conversar com defuntos. Contara-lhe ter o velho Ramiro aparecendo na tenda de Deodoro e pronunciado comovente discurso perdoando todos os seus inimigos, a começar por Mundinho Falcão. Diabo de velha destramelada…

Agora não passava um dia sem lhe tocar no assunto, porque não tomava Gabriela de cozinheira? Como se isso fosse coisa que se propusesse…

Ele se refizera, é verdade, tanto que podia ouvir D. Arminda falar de Gabriela, louvar-lhe o comportamento e a dedicação ao trabalho. Costurava dia e noite, pregando forro em vestido, abrindo casa para botões, alinhavando blusas, numa trabalheira difícil, pois – ela mesmo dizia – não nascera para a agulha e, sim, para o fogão.

Decidira, no entanto, não cozinhar para mais ninguém a não ser para Nacib. Apesar das ofertas a chover de todos os lados. Para cozinhar e para amigação, cada qual mais tentadora. Nacib ouvia D. Arminda, quase indiferente, apenas levemente orgulhoso dessa fidelidade tardia de Gabriela. Encolhia os ombros, entrava em casa.

Estava curado, conseguira esquecê-la, não a cozinheira, a mulher. Quando se recordava das noites passadas com ela, era com a mesma saudade mansa que relembrava a sabedoria de Risoleta, as pernas altas de Regina, uma de antes, os beijos roubados à prima Munira numas férias em Itabuna.

Sem dor profunda no peito, sem ódio. Sem amor. Suspirava ainda mais pela cozinheira inigualável, suas moquecas, os xins-xins, as carnes assadas, os lombos, as cabidelas.

Refizera-se do golpe, mas à custa de dinheiro. Durante semanas frequentara cada noite o cabaré, jogando roleta e bacará, pagando champanhe para Rosalinda. Essa loira interesseira arrancava-lhe notas de quinhentos mil réis como se fosse um coronel do cacau a sustentar rapariga e não seu xodó no leito pago por Manuel das Onças.

Nunca vira xodó daquele tipo, estava era bancando o besta. Ao dar balanço em seus negócios teve uma ideia exacta do dinheiro gasto com ela, dos desperdícios a que se entregara.

Terminou por largá-la, seduzido por amazonense pequena, uma índia chamada Mara. Conquista menos espectacular, mais modesta, contentando-se com a cerveja e alguns presentes. Mas como a índia não tinha proprietário fixo, fazia a vida em casa de Machadão, nem toda a noite estava livre e ele terminava afogando suas mágoas em veias e pagodeiras nos cabarés ou em casas de mulheres, gastando sem conta. Pusera fora um horror de dinheiro.

Site Meter