DO
CARNAVAL
Episódio Nº 9
Quando Paulo Rigger saíu,
um grupo de mulatas sambava na rua. Cor de canela, seio quase à mostra,
requebravam-se voluptuosamente, num delírio. Paulo viu ali todo o sentimento da
raça. Viu-se integrado no seu povo. Caiu no samba, a berrar:
- Dá nela… Dá nela…
Uma mulata gorda deu-lhe
uma umbigada. Agarraram-se a dançar no passeio. Até os sujeitos que tocavam
violão sambavam numa alegria doente de quem só tem três dias de liberdade.
Os lábios da mulata
entraram nos lábios de Paulo Rigger. Ele pensava em gritar: “Viva o Brasil!
Viva o Brasil!” Sentia-se integrado na alma do povo e não pensou que aqui lo era somente durante o carnaval quando todos,
como ele fizera durante toda a sua vida, se entregavam aos instintos e faziam
da Carne o deus da humanidade…
Quando chegou ao hotel,
clareava o dia. A natureza toda acordava como quem não tinha estado na farra da
noite. No quarto não encontrou Julie. Sai, naturalmente. Fora para o Carnaval.
Procurou rir. Ora,
deixá-la… Afinal era apenas uma mulher com quem andara. Deixá-la…
Mas, diabo, aqui lo doía-lhe. Doía-lhe pensar que Julie estivesse
com outro na cama. Não podia ser… Revoltava-se contra si próprio. Não podia ser
porquê? Era. Ela estava com outro… Com outro na cama… E que tinha ele com isso…
Não a amava… Não a amaria mesmo? Não, pensava, desejava-a somente… Mas o amor
era a posse… Se ele a desejava era porque a amava…
Amava, sim, aquela mulher
viciada que tinha gostos pervertidos. E ela, agora, devia estar com outro,
talvez… E dormindo, quem sabe? Ela naturalmente não gostava dele.
O quarto parecia-lhe vazio
sem ela… O leito sem o seu corpo alvo, parecia-lhe insuportável…
José Augusto apresentou-o,
dias depois, a um escritor católico. Era o líder do catolicismo na sua terra.
Revelava na conversa uma sinceridade que admirava Paulo. Pediu a Rigger uma
colaboração para a sua revista. Queria a impressão de Rigger sobre a raça.
Paulo prometeu-lhe. E dias
depois dava-lhe o Poema da mulata desconhecida:
Eu canto a mulata dos freges
De São Sebastião do Rio de
Janeiro…
A mulata cor de canela,
Que tem tradições,
Que tem vaidade,
Que tem bondade,
(essa bondade, que faz
Com que ela abra suas coxas
morenas,
Fortes,
Serenas,
Para a satisfação dos
instintos insatisfeitos
Dos poetas pobres
E dos estudantes vagabundos).
É entre as suas coxas sadias
Que repousa o futuro da Pátria.
Daí sairá uma raça forte,
triste,
burra,
indomável,
mas profundamente grande,
porque é grandemente natural,
toda da sensualidade.
Por isso, cheirosa mulata
do meu Brasil africano
(o Brasil é um pedaço
d’África,
Que emigrou para a América),
Nunca deixes de abrir as
coxas
No instinto insatisfeito
Dos poetas pobres
E dos estudantes vagabundos,
Nessas noites mornas do
Brasil,
Quando há muitas estrelas no
céu
E muito desejo na terra.
O escritor disse que
estava muito bom, muito sincero. Mas o poema não foi publicado. Ofenderia a
moral brasileira.
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