Ao fundo, a Igreja da Misericórdia de Santarém (click na imagem) |
HOJE É
DOMINGO
(Na minha Cidade de Santarém)
O comportamento das pessoas dentro de um contexto social, mesmo quando ensinadas de igual maneira, tem sempre diferenças dependendo da personalidade de cada um.
Quando eu e o meu irmão éramos miúdos, a nossa mãe ensinou-nos que deveríamos
oferecer o nosso lugar sentado no eléctrico a uma senhora que fosse de pé.
Era isto o convencionado e a minha mãe, como boa mãe que era, ensinava-nos um
comportamento que uma vez adoptado contribuiria para fazer de nós, jovens
bem-educados, reconhecidos e aceites na sociedade como tal, a mesma sociedade
onde iríamos ser integrados e onde ela pretendia e esperava que fossemos bem
aceites no próprio interesse dos nossos futuros.
Por outras palavras, estávamos a ser treinados para agradar às pessoas importantes
do nosso meio para que viessem a gostar de nós e a arranjarem-nos um bom
emprego para podermos viver pela vida fora, gordinhos e felizes, exactamente da
mesma forma e pelas mesmas razões que na natureza a mãe chimpanzé, durante
mais de três anos, ensina aos filhos, e às vezes com raspanetes à mistura,
quando eles não aprendiam os comportamentos da sobrevivência.
Mas a nossa resposta perante um mesmo ensinamento pode ser muito diferente e aí
distinguimo-nos dos chimpanzés…
- O meu irmão, sentado no carro eléctrico, procurava ansiosamente uma senhora
que fosse de pé para lhe oferecer, pressurosamente, o seu lugar enquanto que
eu, não só não a procurava como se a visse olharia para o lado e fazia de conta
que não reparava.
Descontemos uns tantos por cento para um natural comodismo de que sempre me
queixei mas, no fundo, o meu comportamento tinha a ver com uma fuga ao cinismo
que mascarava um gesto bonito de solidariedade de um “sketch” para chamar a
atenção do respeitável público para aquele menino de boas famílias, educado,
distinto e candidato a um lugar na sociedade ou seja, não era verdadeiro…
qualquer pessoa normal, jovem ou não, prefere viajar sentado mesmo com
sacrifício das boas maneiras.
A esta distância posso dizer que a vida demonstrou que fez muito bem a minha
mãe em ter ensinado o que ensinou e fez muito bem o meu irmão, descontados os
exageros para não soar a falso, em ter aprendido o que aprendeu porque, como disse Shakespeare, a vida é uma sucessão de sketshs, uns no palco outros fora
dele e é importante que os saibamos representar para impressionar
favoravelmente o distintíssimo público.
Mais tarde comecei a abrir excepções quando a pessoa me parecia, pelo seu estado,
merecedora, mais do que eu do lugar que ocupava mas esta já era uma decisão
pessoal e o que gostava mesmo era de gozar o meu irmão abanando o rabo e a
dizer: … “faz favor de se sentar, minha senhora…”
Em jovem, pelos meus onze, doze anos, quando aluno de um Colégio de Jesuítas, fugia
das cerimónias de “lava-pés” porque nem sequer me dava gozo nenhum ver um
senhor padre, ou um qualquer dignitário da Igreja num pretenso gesto de
humildade, ajoelhado de cu para o ar a fazer de conta que estava a lavar os pés
aos noviços da Irmandade.
Pelo contrário,
esse espectáculo deixava-me constrangido que é aqui lo
que acontece quando não gostamos do que vemos mas nada podemos fazer para o
evitar.
No tempo de Jesus, as pessoas do povo tinham por vezes que andar longas
distâncias a pé e fazia parte das regras da hospitalidade ser presenteada,
creio que pela mulher do dono da casa, com uma lavagem dos pés, não como gesto
de humildade mas com o objectivo lógico de contribuir para o seu bem-estar
aliviando-lhe as naturais dores resultantes das grandes caminhadas em solo
rugoso, calçando sandálias que em termos de comodidade deviam estar muito
longe dos modernos ténis da Nike.
Mas a Igreja resolveu pegar nesse comportamento, que um antropólogo teria
explicado como uma atenção própria de bem receber em sua casa, perfeitamente
justificado e não um gesto de humildade que nunca teria passado pela cabeça das
pessoas de então.
E o que é curioso é que quem pratica estes gestos de pretensa humildade sejam
os altos dignitários da Igreja que ao longo dos séculos, com aquelas excepções
que sempre confirmam as regras, inundaram os crentes de soberba, vaidade e
ostentação com os Crucifixos de ouro cravejados de pedras preciosas pendurados
no pescoço repousando em respeitáveis barrigas revestidas de cetim.
Pois é, a Igreja é “coisa” dos homens e hoje, mais uma vez, muito na berra
porque um Papa decidiu ir embora em vez de morrer no seu posto como todos os
outros ao longo dos últimos seis séculos.
Mas este era um Papa
especial, de tal forma especial que a sua escolha não levantou nenhum tipo de
surpresa, quase como a pescada que antes de o ser já o era e agora, que se foi
embora, quase de supetão, deixará para sempre a dúvida e a especulação sobre os
verdadeiros motivos da sua retirada sobre os quais muito se irá escrever e
dizer…
Não terá havido só
uma mas várias razões e não terá sido por falta de lucidez, inteligência e
sabedoria que estavam intactas. Há quanto a mim, uma razão de fundo que explica
a coragem e a força necessárias para tal decisão e que não vi referida por
ninguém:
Bento XVI tinha
consciência da sua superioridade intelectual relativamente a todos os seus
pares. Ele era o Professor, o pilar da Igreja e isso conferiu-lhe, aos seus próprios
olhos, uma grande autoridade que lhe permitiu fazer o que nenhum foi capaz
anteriormente, abandonar as funções.
Atentando em todas
as suas últimas palavras, desabafos e críticas fortes, esta retirada de cena
não terá sido a sua última “lição” mas a última e a mais dura “reprimenda”:
- Aos seus pares,
pelos comportamentos condenáveis e aos crentes, porque o deixaram de o ser, aos
milhares, na sua velha, culta e instruída Europa.
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