domingo, fevereiro 24, 2013

Ao fundo, a Igreja da Misericórdia de Santarém (click na imagem)




HOJE É
DOMINGO

(Na minha Cidade de Santarém)







O comportamento das pessoas dentro de um contexto social, mesmo quando ensinadas de igual maneira, tem sempre diferenças dependendo da personalidade de cada um.

Quando eu e o meu irmão éramos miúdos, a nossa mãe ensinou-nos que deveríamos oferecer o nosso lugar sentado no eléctrico a uma senhora que fosse de pé.



Era isto o convencionado e a minha mãe, como boa mãe que era, ensinava-nos um comportamento que uma vez adoptado contribuiria para fazer de nós, jovens bem-educados, reconhecidos e aceites na sociedade como tal, a mesma sociedade onde iríamos ser integrados e onde ela pretendia e esperava que fossemos bem aceites no próprio interesse dos nossos futuros.



Por outras palavras, estávamos a ser treinados para agradar às pessoas importantes do nosso meio para que viessem a gostar de nós e a arranjarem-nos um bom emprego para podermos viver pela vida fora, gordinhos e felizes, exactamente da mesma forma e pelas mesmas razões que na natureza a mãe chimpanzé, durante mais de três anos, ensina aos filhos, e às vezes com raspanetes à mistura, quando eles não aprendiam os comportamentos da sobrevivência.


Mas a nossa resposta perante um mesmo ensinamento pode ser muito diferente e aí distinguimo-nos dos chimpanzés…

- O meu irmão, sentado no carro eléctrico, procurava ansiosamente uma senhora que fosse de pé para lhe oferecer, pressurosamente, o seu lugar enquanto que eu, não só não a procurava como se a visse olharia para o lado e fazia de conta que não reparava.

Descontemos uns tantos por cento para um natural comodismo de que sempre me queixei mas, no fundo, o meu comportamento tinha a ver com uma fuga ao cinismo que mascarava um gesto bonito de solidariedade de um “sketch” para chamar a atenção do respeitável público para aquele menino de boas famílias, educado, distinto e candidato a um lugar na sociedade ou seja, não era verdadeiro… qualquer pessoa normal, jovem ou não, prefere viajar sentado mesmo com sacrifício das boas maneiras.

A esta distância posso dizer que a vida demonstrou que fez muito bem a minha mãe em ter ensinado o que ensinou e fez muito bem o meu irmão, descontados os exageros para não soar a falso, em ter aprendido o que aprendeu porque, como disse Shakespeare, a vida é uma sucessão de sketshs, uns no palco outros fora dele e é importante que os saibamos representar para impressionar favoravelmente o distintíssimo público.

Mais tarde comecei a abrir excepções quando a pessoa me parecia, pelo seu estado, merecedora, mais do que eu do lugar que ocupava mas esta já era uma decisão pessoal e o que gostava mesmo era de gozar o meu irmão abanando o rabo e a dizer: … “faz favor de se sentar, minha senhora…”


Em jovem, pelos meus onze, doze anos, quando aluno de um Colégio de Jesuítas, fugia das cerimónias de “lava-pés” porque nem sequer me dava gozo nenhum ver um senhor padre, ou um qualquer dignitário da Igreja num pretenso gesto de humildade, ajoelhado de cu para o ar a fazer de conta que estava a lavar os pés aos noviços da Irmandade.


 Pelo contrário, esse espectáculo deixava-me constrangido que é aquilo que acontece quando não gostamos do que vemos mas nada podemos fazer para o evitar.

No tempo de Jesus, as pessoas do povo tinham por vezes que andar longas distâncias a pé e fazia parte das regras da hospitalidade ser presenteada, creio que pela mulher do dono da casa, com uma lavagem dos pés, não como gesto de humildade mas com o objectivo lógico de contribuir para o seu bem-estar aliviando-lhe as naturais dores resultantes das grandes caminhadas em solo rugoso, calçando sandálias que em termos de comodidade deviam estar muito longe dos modernos ténis da Nike.



Mas a Igreja resolveu pegar nesse comportamento, que um antropólogo teria explicado como uma atenção própria de bem receber em sua casa, perfeitamente justificado e não um gesto de humildade que nunca teria passado pela cabeça das pessoas de então.



E o que é curioso é que quem pratica estes gestos de pretensa humildade sejam os altos dignitários da Igreja que ao longo dos séculos, com aquelas excepções que sempre confirmam as regras, inundaram os crentes de soberba, vaidade e ostentação com os Crucifixos de ouro cravejados de pedras preciosas pendurados no pescoço repousando em respeitáveis barrigas revestidas de cetim.


Pois é, a Igreja é “coisa” dos homens e hoje, mais uma vez, muito na berra porque um Papa decidiu ir embora em vez de morrer no seu posto como todos os outros ao longo dos últimos seis séculos.


Mas este era um Papa especial, de tal forma especial que a sua escolha não levantou nenhum tipo de surpresa, quase como a pescada que antes de o ser já o era e agora, que se foi embora, quase de supetão, deixará para sempre a dúvida e a especulação sobre os verdadeiros motivos da sua retirada sobre os quais muito se irá escrever e dizer…

Não terá havido só uma mas várias razões e não terá sido por falta de lucidez, inteligência e sabedoria que estavam intactas. Há quanto a mim, uma razão de fundo que explica a coragem e a força necessárias para tal decisão e que não vi referida por ninguém:

Bento XVI tinha consciência da sua superioridade intelectual relativamente a todos os seus pares. Ele era o Professor, o pilar da Igreja e isso conferiu-lhe, aos seus próprios olhos, uma grande autoridade que lhe permitiu fazer o que nenhum foi capaz anteriormente, abandonar as funções.

Atentando em todas as suas últimas palavras, desabafos e críticas fortes, esta retirada de cena não terá sido a sua última “lição” mas a última e a mais dura  “reprimenda”:

 - Aos seus pares, pelos comportamentos condenáveis e aos crentes, porque o deixaram de o ser, aos milhares, na sua velha, culta e instruída Europa.

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