sexta-feira, março 01, 2013


A HOMOFOBIA NA AMÉRICA LATINA

Num momento em que a Igreja de Roma vive conturbados momentos com a renúncia do Papa atormentado com problemas de pedofilia e homossexualidade de muitos dos seus membros, convém recordar Luís Mott, doutor em Antropologia e professor na Universidade Federal da Bahia, autor de 15 livros e 200 artigos sobre a história da homossexualidade que faz este resumo histórico:



- «Quando se descobriu a América Latina, Portugal e a Espanha viviam o seu período de maior intolerância contra quem praticava o abominável e nefasto pecado da sodomia.

Nessa época, instalaram-se na Península Ibérica Tribunais de Inquisição que converteram a sodomia num crime tão grave como o regicídio e a traição à pátria. Era um dos poucos delitos que as primeiras autoridades do Brasil tinham capacidade para castigar com a pena de morte sem necessidade de consultar previamente o Rei de Portugal.

Um dos Tratados de Teologia da época das Conquistas “rezava” assim:

- “De todos os pecados, a sodomia é o mais torpe, sujo, desonesto e não se encontra outro mais detestado por Deus e pelo mundo. Por este pecado lançou o dilúvio sobre a terra e por este pecado destruiu as cidades de Sodoma e Gomorra.

Por causa da sodomia foi destruída a Ordem dos Templários. Portanto, mandemos que todo o homem que cometa esse pecado seja queimado e convertido em pó pelo fogo para que do seu corpo e sepultura nunca se tenha memória.”

Ao desembarcarem no Novo Mundo, os europeus encontraram uma grande diversidade de povos e civilizações cujas práticas sexuais diferiam em grande medida da matriz cultural judaica-cristã, sendo algumas diametralmente opostas como: a nudez, virgindade, poligamia, divórcio e, sobretudo, a homossexualidade, travestismo e transexualidade.

Já em 1514 se divulgava “Na História Geral e Natural das Índias” que o gosto pelo vício nefasto se encontrava presente em todo o Caribe e em alguns territórios na Terra Firme. Há notícia de que os conquistadores se escandalizaram profundamente por isto e lhe atribuíram a falta de conhecimento do “verdadeiro Deus”.

O ano de 1513 pode ser considerado o de abertura à intolerância homofóbica no Novo Mundo.

O conquistador Vasco Balboa ao encontrar um grupo de índios homossexuais no Istmo do Panamá prendeu 40 deles e atirou-os a cães ferozes para que os devorassem, conforme conta Pietro Martire, num retrato dramático gravado na época.

Em 1548, registou-se a primeira perseguição institucional contra europeus homossexuais: na Guatemala foram presos sete, quatro deles clérigos.

Salvaram-se de morrer na fogueira por causa de um tumulto que por coincidência ocorreu na altura.



No Brasil, entre 1541 e 1620, 44 homens foram acusados e processados por sodomia.

No fim do século XVIII haviam sido denunciados 283 homens e mulheres por este delito, 29 eram lésbicas, 5 delas receberam penas pecuniárias e espirituais, 3 foram desterradas e 2 condenadas a chicotadas em público. A mais famosa, Filipa de Sousa deu o seu nome ao prémio mais importante dos Direitos Humanos Homossexuais.

O México liderou a perseguição aos homossexuais durante o período colonial: em 1658 foram denunciados 123 sodomitas na cidade do México e arredores, 19 deles foram presos e 14 queimados na fogueira.

Os Tribunais da Inquisição desapareceram em 1820 no peru e no México e em 1821 no Chile e Brasil mas as mentalidades não mudam por decreto e o machismo homofóbico continuou sendo uma característica da cultura latino-americana.

No século XX, o suicídio, a marginalidade, o suicídio, a total clandestinidade, a baixa auto-estima, a marginalidade, os assassinatos passaram a ser o pão nosso década dia para milhões de gays, lésbicas e transexuais na América-Latina recusados pelas famílias, humilhados nas ruas, impedidos de aceder ao trabalho.

Investigações realizadas no Brasil, que deve albergar mais de 17 milhões de homossexuais, revelam que de todas as minorias sexuais, os gays e as lésbicas são as mais odiadas. No México, até hoje, chamavam-se aos gays “quarenta e um” como recordação dos 41 homossexuais presos numa só noite em 1901 e submetidos a castigos humilhantes, obrigados a varrer as ruas da capital e as latrinas públicas.

Cuba destacou-se na década dos anos sessenta pela violência com que perseguiu, prendeu e obrigou ao exílio centenas de homossexuais, identificando a homossexualidade com a “decadência capitalista”.

Até meados dos anos 90 a homossexualidade continuava a ser considerada um delito no Chile, Equador, Cuba, Nicarágua e Porto Rico.

Apesar de todos os avanços e desenvolvimento dos Direitos Humanos em sociedades cada vez mais plurais e complexas, as mais recentes posições do Vaticano face à homossexualidade continuam sendo as mesmas: a orientação homossexual é considerada uma desordem grave e, em consequência, a moral oficial exige aos homossexuais uma permanente castidade.


NOTA
A intolerância da Igreja e a crueldade com que sempre puniu os pecadores, podendo, de certa maneira, ser fruto da época, o grau com que o fez foi sempre a imagem de marca da Igreja de Roma.
A quando da cruzada contra os Albigenses, levada a cabo pelos cruzados a seu mando, ela não teve limites e o Papa dizia:
 - “Matem todos. Deus, no outro mundo, reconhecerá os seus, isto é, distinguirá os católicos dos hereges”.
A Igreja Católica julgou sempre que a sua sobrevivência estava ligada ao medo, ao sofrimento e sacrifício das pessoas e a pureza da doutrina, no caso dos albigenses, e da felicidade que o amor proporciona, não serviam os seus interesses.
O sexo, no caso dos humanos, é muito mais que procriação: é a realização da pessoa pelo amor de acordo com as preferências de cada um, mas a Igreja não podia permitir isso porque, para eles, a felicidade é em Cristo, em Deus, de joelhos, dobrados a seus pés.
Foi assim que aconteceu o domínio e se manifestou o poder da Igreja: punindo, perseguindo, ameaçando com toda a crueldade, deste mundo e do outro, que a história registou durante a Inquisição e nas acções de evangelização em África, nas Américas, por esse mundo fora, destruindo culturas milenares e conquistando almas para Deus se preciso à custa da vida das pessoas.
Impossível de silenciar, esconder ou ignorar, este passado, cai-lhes agora em cima e eles, que sempre foram os juízes, estão agora a julgamento, não por Deus mas pelos homens que ficaram a saber que, afinal, o “pecado morava lá dentro". 

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