quarta-feira, março 06, 2013


A MATILDE


O acto do nascimento não é bonito, nem agradável, nem pacífico, pelo contrário: é violento, doloroso, sofrido. Parece, até, que a natureza pretendeu, desta maneira, assinalar logo as dificuldades e agruras que esperam todos quantos são lançados na vida, especialmente os não bafejados pela fortuna.

Sem querer, os meus pensamentos vão para os nossos antepassados quando era só terra, árvores e planícies. Quando éramos apenas pouco mais que um animal com um cérebro que ia evoluir, desta vez a sério, num corpo pouco dotado para sobreviver na concorrência.

Pela primeira vez, a natureza ia experimentar numa nova arma que não era nem velocidade, força de músculos, garras ou dentes. Algo novo e muito mais poderoso: a inteligência que se desenvolveu a partir de um crânio com 400 c.c. (australopitecus, praticamente ainda sem testa); 1.2oo c.c., o Homo erectus e finalmente, 1.400 c. c., o do Homo Sapiens, o nosso, e isto ao longo de alguns milhões de anos.

Por isso, a  vantagem não veio logo. Ela própria, a inteligência, teve que se descobrir a si própria mas, pouco a pouco, foi fazendo a diferença e mesmo assim, com muita sorte à mistura porque os caminhos da evolução são muito estreitos e  normalmente conduzem a becos sem saída, como aconteceu com todos os nossos primos que um dia foram obrigados (há cerca de 7 milhões de anos) a descer das árvores.

Na natureza as coisas acontecem no dia a dia, passo a passo, pela lei da experimentação sucessiva. Quando as soluções resultam a vida continua mas na maioria dos casos elas não se mostram convincentes, são de pouca duração e abortam.

No nosso caso, entre todos aqueles que um dia se puseram de pé para tentarem sobreviver às profundas alterações do meio ambiente - tão pouco se sabe ainda quantos foram - só nós o conseguimos e um dos últimos exemplares dessa espécie vitoriosa é agora a minha segunda neta, a Matilde.

Tal como a sua irmã e todas as outras irmãs por esse mundo fora, nestes primeiros meses vai continuar a nascer... O seu pequeno crânio vai agora aumentar como não o poderia ter feito dentro do útero da mãe sob pena de tornar o parto impossível. Este, foi o grande truque da natureza para que a aposta na inteligência se tornasse viável: retardar o crescimento do crânio para depois do nascimento. Uma espécie de solução de expediente: atrasa-se o crescimento do crânio até ao momento do parto para o permitir e completa-se aos dezoito meses para que os ossos se possam ir ajustando ao crescimento do cérebro, afinal a grande aposta.

Por isso, a minha segunda neta, a Matilde, que nasceu ainda não há dois meses, bem vistas as coisas, está no seu berço a continuar a nascer explicando-se, assim, 
a sua extrema dependência de bebé humano oferecendo-nos a oportunidade que é o espectáculo do desabrochar de uma vida nos seus mais pequeninos pormenores: um olhar, ou um esgar a que chamamos sorriso. 


Sorrisos que nos fazem esquecer, no momento lindo em que o olhamos, todos os motivos para estarmos tristes e que projectado no futuro lançam a esperança de que um dia, quem sabe, as razões para chorar sejam vencidas por uma onda de sorrisos…

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