terça-feira, abril 09, 2013


O PAÍS
DO
CARNAVAL

Episódio Nº 68

Pedro Ticiano agonizava em plena posse das suas faculdades, apesar de bem perto dos setenta anos. Belo, nas últimas horas da vida. Pele e uns tantos ossos, queimados pela febre, seu rosto no entanto, tinha uma beleza estranha a rodeá-lo.

Paulo Rigger entrou com a cabeça baixa e apertando os lábios para não chorar. Amava aquele destruidor admirável que conseguira viver uma vida de oposição.

Jerónimo Soares abraçou Pedro…

 - Então, como vai isso?

 - O moribundo respondeu, num fio de voz.

 - Vai indo como você vê.

No quarto, uma pequena luz eléctrica chorava atrás do abajur uma luz esbranquiçada.

Ticiano olhou em volta:

 - E José?

 - Não o conseguimos encontrar. Mas talvez não demore. E, demais, temos tanto tempo ainda para conversar… Anos…

 - Deixe disso, Jerónimo. Você quer me consolar? Eu sei que vou morrer. Mas não tenho medo da morte. Já vivi muito. Conheço a vida e os homens.

E, querendo rir.

- E as mulheres também.

O filho e a neta choravam. Paulo Rigger, calado, soluços presos na garganta, tinha um grande ar de idiota.

Pedro Ticiano sorria da morte. Formidável até ao último momento. Morrendo tão admiravelmente como havia vivido.

Na cabeceira da cama, Paulo Rigger cismava, amedrontado, como se fosse ele o agonizante. E se houvesse céu e inferno, Pedro Ticiano estaria condenado. Talvez sofresse. Revoltava-o aquela ideia. E se chamasse um padre?

Passava as mãos pelos cabelos, a testa a arder. Chegou-se mais perto de Ticiano. Segredou-lhe ao ouvido.

 - E se houver uma vida depois desta, Pedro?

 - Você quer chamar um padre, Rigger? Não faça isso. Eu não acredito. Faço questão que se saiba que morro descrente.

Esforçava-se por sorrir. E continuou, a voz mais baixa:

 - E se houvesse eu preferia o inferno.

E os últimos momentos foram chegando. A face de Pedro Ticiano contraía-se num rito de dor:

 - Eu morro! Eu morro!

 - Ticiano! Ticiano!

Paulo precipitou-se.

 - Responda-me, Ticiano. Qual é a solução do problema? Para que fim a gente vive?

 - Vive-se por viver. A Felicidade é tudo que não se consegue, o que se deseja…

 - E o segredo para ser sereno?

 - Não desejar. Chegar à suprema renúncia de não querer. Viver para morrer…

Caiu desfalecido. Jerónimo chorava como uma criança. O filho, num canto, espiava a cena dolorosa. O moribundo levantou a cabeça num esforço desesperado. Relanceou os olhos em torno de si, num adeus. Murmurou, numa voz longínqua, voz de túmulo.

 - Que triste fim para a minha grande tragédia!

Tentou mais uma vez sorrir. Mas a boca resistiu dolorosamente. Os olhos fecharam-se. E Pedro Ticiano morreu.

Site Meter