A RELIGIÃO E O
EVOLUCIONISMO
“O conceito de uma vida eterna gloriosa
foi inventado para mitigar o nosso medo da morte”.
Esta é uma teoria dezenas de vezes
repetida e aceite porque, aparentemente, faz sentido. E digo aparentemente uma
vez que, posta a questão aos enfermeiros e assistentes sociais em lar de
idosos, os testemunhos vão no sentido inverso, ou seja: os crentes apresentavam
maior receio da morte.
De qualquer forma a crença numa religião
é uma inevitabilidade ou com uma cotação negativa, uma fatalidade.
Recebemo-la logo após o nascimento como
uma herança cultural (o crucifixo na parede e o rosário pendurado na cabeceira
da cama) e ao longo da vida ou se instala e nos comanda ou por ali fica num faz
de conta para não destoar dos outros. Raramente temos coragem para a renegar
quando ela pouco ou nada nos diz.
Não esqueçamos que tanto os nossos
sentidos como as nossas crenças são ferramentas para a nossa sobrevivência e
evoluíram para se alimentarem mutuamente. Sem os sentidos não podíamos conhecer
o mundo perceptível e sem as crenças não poderíamos saber o que está fora do
alcance dos sentidos, nem sobre significados e causas. Por isso elas persistem
apesar das evidências contraditórias.
Eu próprio já desisti, relativamente à
minha neta, desde os três anos, pelo falecimento da bisavó, outra explicação que
não seja “enviar para o céu” os parentes e pessoas conhecidas que, entretanto,
vão falecendo. A sensibilidade dela assim o exige. Perder para sempre uma pessoa muito chegada é algo que uma criança tem muita dificuldade em aceitar.
É um assunto que mais tarde ela terá que
descodificar se se qui ser dar a esse
trabalho. Para já vão todos para o céu e ponto final… De resto, para dificultar
as coisas, as crianças revelam uma tendência natural para adoptarem a teoria
dualista da mente que consiste em aceitar que esta é uma espécie de espírito
incorpóreo que habita o corpo mas pode existir em qualquer outro lado. Portanto,
aos quatro anos, o melhor é mandá-los todos para o céu. Lutar por crenças
racionais numa criança de 4 anos não é objectivo que se prossiga. No melhor dos
casos, não estimular crenças irracionais, o resto ficará para mais tarde.
Esta é mais uma razão pela qual as
religiões se “colam”: dão explicações simples e directas para as almas simples…e
levam a não pensar mais no assunto.
Mas esta relação da religião com o além,
relação vertical, talvez não seja a mais importante. As religiões são
imensamente eficazes na formação de relações sociais, conferindo coesão às
sociedades e, nesta medida, fomentam a sobrevivência naquela a que podemos
chamar a relação horizontal.
Se o desejo de servir um Deus for mais
motivador do que o desejo de ajudar os outros, então a solidariedade será, pelo
menos, reforçada pelo facto de se ser crente.
É claro, que também podemos concluir
como Einstein: “Se as pessoas só são boas (solidárias) porque temem o castigo e
esperam recompensa, então somos mesmo uma triste cambada”.
As religiões, dentro de si próprias
evoluem, adaptam-se, ajustam-se e tiram partido de novas realidades sociais. O
Deus hebraico era essencialmente um guerreiro que comandava o seu povo para
combater e prometia-lhe a vitória no futuro por muitas derrotas que tivesse
sofrido no passado.
O Deus cristão reflectia a realidade da
vitória militar já não ser possível e a única estratégia de sobrevivência
envolvia uma coexistência mais pacífica.
O Deus cristão baixou as armas numa
estratégia tão radicalmente diferente que era possível afirmar que o Deus
cristão era um Deus completamente distinto do Deus hebraico, como alguns
especialistas afirmaram.
No entanto, quando os cristãos se
tornaram politicamente poderosos, a evolução cultural promoveu a retoma das
estratégias militares, como foi o exemplo das cruzadas, esquecida, então, a
política da “outra face”.
Hoje, de novo, a Igreja de Roma, força a
componente pacifista entre os homens e o respeito das religiões umas pelas
outras, o chamado ecumenismo, com o objectivo primeiro de manter os homens como
pessoas crentes contra o pensamento ateu que é, sem dúvida, o principal
inimigo.
E como a propensão para as crenças, como
já vimos, parece ligar-se à própria sobrevivência, são já os ateus que se
atrevem a apresentar o seu pensamento como uma “religião” de crenças racionais.
Os cépticos, na opinião de Gregory W.
Lester, Prof. de Psicologia da Universidade de St. Thomas em Houston, devem
adoptar uma estratégia de longo prazo afirmando as suas crenças racionais sem
entrar em lutas de morte numa batalha com pessoas que têm convicções únicas.
Os cépticos ou não crentes, constituem o
exemplo vivo que é possível, por “uma alta função do cérebro”, vencer e
modificar crenças irracionais no sentido em que vai contra algumas das
urgências biológicas fundamentais.
Acredito que esta aptidão, uma vez
disseminada, pode ser assustadora para os líderes das religiões, mais de umas
que de outras, e por isso novas estratégias, permanente evolução.
<< Home