sábado, junho 01, 2013

António Balduíno
JUBIABÁ

Episódio Nº 31



 - Negro é raça ruim – repetia sempre. Negro não é gente…

E começou a pensar um meio de desmoralizar completamente o molecote. Foi quando um dia viu António Balduíno sentado na escada da cozinha, espiando com uns olhos religiosos para Lindinalva que, já com dezoito anos, costurava na varanda.

Bateu no ombro dele:

 - Aí, hein, negro sem vergonha! Olhando as coxas de dona Lindinalva…

Balduíno não estava olhando coisa alguma, estava era recordando o tempo bom em que eram menores e ele e Lindinalva brincavam no quintal da casa. Mas se assustou como se estivesse espiando as coxas da moça.

Aquilo caiu nos ouvidos do comendador. Todos acreditaram.

Até Lindinalva, que nunca mais olhou para António Balduíno senão com medo e com nojo.

O comendador, se era um homem bom, sabia na hora da raiva ser ruim.

 - Então, moleque descarado, eu lhe crio como um filho, lhe ajudo e você fica fazendo molecagem aí…

Amélia ajuntava:

- Esse negro é safado que faz medo. Quando Dona Lindinalva ia tomar banho ele espiava pelo buraco da fechadura…

Lindinalva saíu quase chorando. Balduíno quis dizer que era mentira, mas como estavam acreditando em Amélia não disse nada.

Apanhou uma surra medonha, que o deixou estendido, o corpo todo doendo. Mas não era só o corpo que doía. Doía-lhe o coração, porque não tinham acreditado nele. E como aqueles eram os únicos brancos que ele estimava passou a odiá-los e com eles a todos os outros.

No entanto nessa noite sonhou com Lindinalva. Ele a viu nua e acordou. Então se lembrou dos vícios que os moleques do morro praticavam e ficou sozinho. Não, não ficou sozinho. Dormiu com Lindinalva que sorria para ele com seu rosto de figura de folhinha, e para ele abria as coxas alvas e lhe ofertava os seios de criança.

E daí por diante, dormisse com que mulher dormisse, era com Lindinalva que o negro António Balduíno estava dormindo.


Pela madrugada fugiu da travessa Zumbi dos Palmares.


MENDIGO


António Balduíno agora era livre na cidade religiosa da Baía de Todos os Santos e do Pai de santo Jubiabá. Vivia a grande aventura da liberdade. Sua casa era a cidade toda, seu emprego era corrê-la. O filho do morro pobre é hoje o dono da cidade.


Cidade religiosa, cidade colonial, cidade negra da Baía. Igrejas sumptuosas, bordadas de ouro, casas de azulejos azuis, antigos sobradões onde a miséria habita, ruas e ladeiras calçadas de pedras, fortes velhos, lugares históricos, e o cais, principalmente o cais, tudo pertence ao negro António Balduíno.

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