António Balduíno |
JUBIABÁ
Episódio Nº 31
- Negro é raça ruim – repetia sempre. Negro não é gente…
E começou a pensar um meio
de desmoralizar completamente o molecote. Foi quando um dia viu António
Balduíno sentado na escada da cozinha, espiando com uns olhos religiosos para
Lindinalva que, já com dezoito anos, costurava na varanda.
Bateu no ombro dele:
- Aí, hein, negro sem vergonha! Olhando as
coxas de dona Lindinalva…
Balduíno não estava
olhando coisa alguma, estava era recordando o tempo bom em que eram menores e
ele e Lindinalva brincavam no qui ntal
da casa. Mas se assustou como se estivesse espiando as coxas da moça.
Aqui lo
caiu nos ouvidos do comendador. Todos acreditaram.
Até Lindinalva, que nunca
mais olhou para António Balduíno senão com medo e com nojo.
O comendador, se era um
homem bom, sabia na hora da raiva ser ruim.
- Então, moleque descarado, eu lhe crio como
um filho, lhe ajudo e você fica fazendo molecagem aí…
Amélia ajuntava:
- Esse negro é safado que
faz medo. Quando Dona Lindinalva ia tomar banho ele espiava pelo buraco da
fechadura…
Lindinalva saíu quase
chorando. Balduíno qui s dizer que
era mentira, mas como estavam acreditando em Amélia não disse nada.
Apanhou uma surra medonha,
que o deixou estendido, o corpo todo doendo. Mas não era só o corpo que doía.
Doía-lhe o coração, porque não tinham acreditado nele. E como aqueles eram os
únicos brancos que ele estimava passou a odiá-los e com eles a todos os outros.
No entanto nessa noite
sonhou com Lindinalva. Ele a viu nua e acordou. Então se lembrou dos vícios que
os moleques do morro praticavam e ficou sozinho. Não, não ficou sozinho. Dormiu
com Lindinalva que sorria para ele com seu rosto de figura de folhinha, e para
ele abria as coxas alvas e lhe ofertava os seios de criança.
E daí por diante, dormisse
com que mulher dormisse, era com Lindinalva que o negro António Balduíno estava
dormindo.
Pela madrugada fugiu da
travessa Zumbi dos Palmares.
MENDIGO
António Balduíno agora era
livre na cidade religiosa da Baía de Todos os Santos e do Pai de santo Jubiabá.
Vivia a grande aventura da liberdade. Sua casa era a cidade toda, seu emprego
era corrê-la. O filho do morro pobre é hoje o dono da cidade.
Cidade religiosa, cidade
colonial, cidade negra da Baía. Igrejas sumptuosas, bordadas de ouro, casas de
azulejos azuis, antigos sobradões onde a miséria habita, ruas e ladeiras
calçadas de pedras, fortes velhos, lugares históricos, e o cais, principalmente
o cais, tudo pertence ao negro António Balduíno.
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