UM CONSOLO?
(Parte III)
Mas, nesse caso, por que motivo é que a
oposição mais ruidosa à eutanásia e ao suicídio assistido vem das pessoas
religiosas?
Não seria de esperar que as pessoas
religiosas fossem as menos inclinadas a agarrar-se despudoradamente à vida?
Contudo, podemos apostar, em como são as
pessoas religiosas que mais apaixonadamente são contra a eutanásia ou contra o
suicídio assistido.
A razão oficial poderá ser a de que
provocar a morte é sempre pecado. Mas porquê considerar isso pecado se se
acredita sinceramente que se está, desse modo, a acelerar uma ida para o céu?
Mas o processo de morrer, propriamente,
poderá bem ser, dependente da sorte de cada um doloroso e desagradável que é um
tipo de experiência contra o qual nos habituámos a ser protegidos através de
anestesia geral, como quando vamos tirar o apêndice.
Se tivermos um animal de estimação a
morrer com dores seremos condenados por crueldade senão chamarmos o veterinário
para lhe dar uma anestesia geral de que já não acordará mais.
Mas se o nosso médico nos prestar
exactamente o mesmo misericordioso serviço se estivermos a morrer com dores,
corre o risco de ser levado a tribunal acusado de assassínio.
E isto, principalmente por causa da
influência da religião. Da parte daqueles que vê a morte como um fim e não como
uma transição é que se poderia, francamente, esperar uma resistência à
eutanásia ou ao suicídio assistido. No entanto, nós, é que somos a favor.
Uma enfermeira que conheço pessoalmente,
com uma longuíssima experiência à frente de um lar de idosos onde a morte é um
acontecimento habitual, referiu-me que ao longo dos anos verificou que são as
pessoas religiosas as que têm mais medo da morte.
Seja isto porque for, à primeira vista,
não abona muito a favor do poder da religião para reconfortar aqueles que estão
à beira de morrer.
A doutrina do purgatório revela bem como
a mente teológica funciona. O purgatório é uma espécie de Ellis Island (Ilha de
Nova York e um dos principais pontos de entrada dos imigrantes nos E.U. entre a
última década do Sec. XIX e meados do Sec. XX) divina, uma antecâmara para onde
as almas vão se os seus pecados não são suficientemente maus para merecerem o
inferno mas, por outro lado, ainda precisam de alguma reciclagem e de uma purga
antes de poderem ser admitidas na zona livre de pecados que é o céu.
Na época medieval a igreja dava
“indulgências” a troco de dinheiro. Na prática, isto traduzia-se por pagar por
um certo número de dias de remissão do purgatório com a Igreja a emitir
literalmente (e com uma presunção assombrosa) certificados assinados em que
eram especificados o número de dias comprados.
A Igreja Católica é uma instituição para
cujos lucros a expressão «mal ganho» terá sido, possivelmente inventada de
propósito. E de entre todos os seus esquemas de fazer dinheiro a venda de
indulgências deverá figurar entre os maiores contos-do-vigário de toda a
história.
Richard Dawkins
(continua)
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