sábado, julho 27, 2013

“Provas” da existência de Deus
(continuação)

Richard Dawkins – “A Desilusão de Deus”



Na edição de Dezembro de 2004 da Free Inquiry, Tom Flynn, director dessa excelente revista, reuniu um conjunto de artigos que documentam contradições e lacunas clamorosas da bem-amada história do Natal.

O próprio Flynn faz uma lista das muitas contradições entre Mateus e Lucas, os únicos evangelistas que abordam a vida de Jesus. Robert Gillooly mostra como todas as componentes essenciais à lenda de Jesus, que incluem a estrela no Oriente, o parto virginal, a adoração por reis, os milagres, a execução, e ressurreição e a ascensão, são todas retiradas de outras religiões já existentes na região do Mediterrâneo e do Próximo Oriente.

Flynn sugere que o desejo de Mateus de fazer cumprir as profecias messiânicas (a descendência de David, o nascimento em Belém) para ir ao encontro dos leitores judeus acabou por colidir frontalmente com o desejo de Lucas de adaptar o Cristianismo aos gentios pela via do afloramento dos consabidos pontos sensíveis das religiões helenísticas pagãs (o parto virginal, a adoração por reis, etc…). As contradições que daí advêm são gritantes mas os fiéis sempre tenderam a fazer-lhes vista grossa.

Há muitos cristãos que levam a Bíblia muito a sério como sendo um registo literal e rigoroso da História e, portanto, como prova das suas crenças religiosas.

Na sua biografia de Jesus, A.N. Wilson lança dúvidas quanto ao facto de José ter sido carpinteiro. A palavra grega “tekton” significa, efectivamente carpinteiro, mas foi traduzida da palavra aramaica “naggar”, que pode significar artesão ou homem erudito.

Esta é apenas uma das traduções erradas da Bíblia sendo, porém, a mais famosa a tradução de “abmah”, termo hebraico usado por Isaías para dizer jovem mulher, pelo grego “parthenos” (virgem).

Um lapso do tradutor que é compreensível mas que deu origem à lenda absurda da virgindade da mãe de Jesus.

E a propósito de virgens, Ibn Warraq, sustenta com grande humor que, na famosa passagem das 72 virgens para cada mártir muçulmano, “virgens” é uma tradução errada de “uvas brancas e cristalinas.

Ora, se esta rectificação tivesse sido mais divulgada, quantas vítimas inocentes de missões suicidas não teriam sido salvas?

O Evangelho de Tomé sobre a infância de Cristo, por exemplo, contem inúmeros episódios anedóticos sobre Jesus enquanto criança a abusar dos seus poderes mágicos, transformando os seus colegas de brincadeira em bodes ou a dar uma ajuda ao pai, na oficina de carpintaria, alongando por magia uma tábua.

Dir-se-á que afinal ninguém acredita em histórias de milagres tão simplórias como as do Evangelho de Tomé mas não há nem mais nem menos motivos para acreditar nos 4 Evangelhos canónicos.

Todos eles têm o estatuto de lendas, de uma factualidade tão dúbia como as histórias do rei Artur e dos seus cavaleiros da Távola Redonda.

Ninguém sabe quem foram os 4 evangelistas, mas é quase seguro que nunca conheceram Jesus pessoalmente e muito do que escreveram não foi de modo algum uma tentativa de fazer história, antes se limitaram a reelaborar e adaptar o Antigo testamento, uma vez que estavam piamente convencidos de que a vida de Jesus teria de cumprir as profecias do Antigo Testamento.


Embora Jesus tenha provavelmente existido, na sua generalidade os estudiosos da Bíblia mais conceituados não vêm o Novo Testamento como um registo fiável do que na realidade aconteceu na História e irei dispensar-me de continuar a referir-me à Bíblia como prova de qualquer tipo de santidade.
(continua)

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