(David Sloan Wilson – Prof. de Biologia e Antropologia na Universidade de Binghamton)
Para compreender o cancro, temos de pensar num organismo único com uma vasta população de células, todas com o mesmo conjunto de genes, excepto no que diz respeito às mutações que estão prestes a tornarem-se as protagonistas da nossa história.
A vida de qualquer célula
particular é regulada desde o berço até à sepultura de modo a garantir que
desempenha o papel adequado.
Os genes que realizam este
milagre de coordenação são designados por nomes como “carataker” (zelador), “gatekeeper”
(porteiro) e “landscaper” (vigilante da paisagem), como se o corpo fosse um domínio
rural inflês meticulosamente gerido.
Até a morte é regulada por um
processo chamado “apoptose”, que desagrega as células de um modo ordenado
quando elas já não são necessárias ou já não conseguem desempenhar o seu papel
de acordo com as regras, tudo fazendo lembrar um estado totalitário.
A divisão celular é, então,
excepcionalmente bem supervisionada.
É feita uma nova cópia de
ADN, como se um monge copiasse um texto sagrado. A cópia é revista e corrigida
com uma tal exactidão que a taxa de erro final pode ser inferior a um em um
milhão para qualquer letra do texto.
Mesmo assim, o texto na sua
totalidade contém milhões de letras, pelo que muitas das cópias contém erros e,
assim, as mutações (erros de cópia) ocorrem com a regularidade de um relógio em
cada divisão celular.
Muitas mutações não têm
efeito no funcionamento da célula e a maioria das que o têm são rapidamente
detectadas e destruídas pelo sistema imunitário, que actua como uma força
policial de uma eficácia implacável.
Batem à porta a meio da noite
e levam os “desgraçados” dos mutantes.
Todavia, uma pequena fracção
consegue escapar à polícia.
Estes podem parecer inimigos
do estado ou heróicos combatentes pela liberdade, resistentes à tirania de
estado, consoante a perspectiva pela qual se olhe.
Porém, uma maneira ainda
melhor de pensar neles é como organismos-presas a evoluírem para evitar os
predadores.
Tal como as aves na floresta
apanham os insectos que mais sobressaem, deixando os que se confundem no meio
ambiente circundante, também o sistema imunitário retira as células mutantes do
corpo que mais se destacam, deixando as que não são detectadas para
sobreviverem e crescerem em minúsculas populações.
É provável que, neste
momento, haja centenas destas populações no seu corpo.
(continua)
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