Um preto batuta fez um discurso no Sindicato... |
JUBIABÁ
Episódio Nº 183
O negro Henrique diz:
- Um preto batuta fez um discurso no sindicato
dizendo que os filhos da gente não ia ser mais escravo… Tiçãozinho não vai ser
mais escravo…
- A greve ganha?
- Ora, se ganha? Quem é que pode com a gente?
Tá ali tá ganha, você vai ver. Tá bonito… Tem um negro Balduíno que fala que é
uma beleza…
Conta à mulher os factos
do dia. Os seus músculos de gigante aparecem sob a camisa de listas. Depois
pega o filho, põe em pé diante de si:
- Tição, você não vai ser mais escravo… Você
vai ser governador, Tição. A gente é muito, eles são poucos. A gente acaba
governando eles.
Bate continência ao futuro
governador. Ri em gargalhadas, certo da sua força, da razão da greve que está
fazendo. A negra Ercídia sorri para o marido com ternura:
- Amanhã tem arraia de novo.
O dono da padaria “Dois
Mundos”, um espanhol baixote, conta os factos do dia. A mulher estendida numa
cadeira de balanço ouve em silêncio.
A filha martela um samba
com os dedos. O dono da padaria “Dois Mundos” narra a história da greve, os
principais factos do dia.
O candeeiro tem a luz
vacilante. Miguel termina de contar e cerra os olhos. A mulher pergunta da
cadeira de balaço:
- Mas a padaria está dando, não está, Miguel?
- Está sim. Com esses dias de greve vai haver
algum prejuízo mas o lucro compensa…
- Então eu acho que eles têm razão. Eles
passam uma miséria horrorosa…
- Têm, sim. Eu por mim dava o aumento. Já
disse na associação. Os outros, o Ruiz das Panificações, é que não querem.
O Ruiz então. Parece que
não se contenta com nada aquele homem… Eu por mim dava…
A filha interrompe:
- Pra que dar, papai? Seu Ruiz tem razão… A
gente precisa de tanto dinheiro. Eu quero uma barata, um rádio… O senhor me
prometeu… Não se lembra mais? Agora quer dar para estes pretos sem vergonha…
- Quem quer tudo fica sem nada, minha filha –
responde Miguel.
A mulher pensa que a filha
já nasceu numa casa confortável, não veio, como ela e o marido, das fábricas de
Madrid, na terceira classe de um navio, não passou fome nunca.
Quer um auto, um rádio,
quanta coisa mais. Os negros querem tão pouco. Repete para o marido:
- Se bata pelo aumento, Miguel. Seu Ruiz é um
avarento, só sabe amealhar dinheiro…
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