sábado, dezembro 07, 2013

Um preto batuta fez um discurso no Sindicato...
JUBIABÁ

Episódio Nº 183



O negro Henrique diz:

 - Um preto batuta fez um discurso no sindicato dizendo que os filhos da gente não ia ser mais escravo… Tiçãozinho não vai ser mais escravo…

 - A greve ganha?

 - Ora, se ganha? Quem é que pode com a gente? Tá ali tá ganha, você vai ver. Tá bonito… Tem um negro Balduíno que fala que é uma beleza…

Conta à mulher os factos do dia. Os seus músculos de gigante aparecem sob a camisa de listas. Depois pega o filho, põe em pé diante de si:

 - Tição, você não vai ser mais escravo… Você vai ser governador, Tição. A gente é muito, eles são poucos. A gente acaba governando eles.

Bate continência ao futuro governador. Ri em gargalhadas, certo da sua força, da razão da greve que está fazendo. A negra Ercídia sorri para o marido com ternura:

 - Amanhã tem arraia de novo.


O dono da padaria “Dois Mundos”, um espanhol baixote, conta os factos do dia. A mulher estendida numa cadeira de balanço ouve em silêncio.

A filha martela um samba com os dedos. O dono da padaria “Dois Mundos” narra a história da greve, os principais factos do dia.

O candeeiro tem a luz vacilante. Miguel termina de contar e cerra os olhos. A mulher pergunta da cadeira de balaço:

 - Mas a padaria está dando, não está, Miguel?

 - Está sim. Com esses dias de greve vai haver algum prejuízo mas o lucro compensa…

 - Então eu acho que eles têm razão. Eles passam uma miséria horrorosa…

 - Têm, sim. Eu por mim dava o aumento. Já disse na associação. Os outros, o Ruiz das Panificações, é que não querem.

O Ruiz então. Parece que não se contenta com nada aquele homem… Eu por mim dava…

A filha interrompe:

 - Pra que dar, papai? Seu Ruiz tem razão… A gente precisa de tanto dinheiro. Eu quero uma barata, um rádio… O senhor me prometeu… Não se lembra mais? Agora quer dar para estes pretos sem vergonha…

 - Quem quer tudo fica sem nada, minha filha – responde Miguel.

A mulher pensa que a filha já nasceu numa casa confortável, não veio, como ela e o marido, das fábricas de Madrid, na terceira classe de um navio, não passou fome nunca.

Quer um auto, um rádio, quanta coisa mais. Os negros querem tão pouco. Repete para o marido:


 - Se bata pelo aumento, Miguel. Seu Ruiz é um avarento, só sabe amealhar dinheiro…

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