quarta-feira, janeiro 15, 2014

Era um bom pai e um bom esposo
A MORTE

E A MORTE

DE QUINCAS

BERRO DÁGUA

Episódio Nº 12

Ali deviam estar somente ela, o pai morto, o saudoso Joaquim Soares da Cunha e as lembranças mais queridas por ele deixadas.

Arranca do fundo da memória cenas esquecidas. O pai a acompanhá-la a um circo de cavalinhos, armado na ribeira por ocasião de uma festa do Bonfim. Talvez nunca o tivesse visto tão alegre, tamanho homem escarranchado em montaria de criança, a rir às gargalhadas, ele, que tão raramente sorria.

Recordava também a homenagem que amigos e colegas lhe prestaram, ao ser Joaquim promovido na Mesa de Rendas. A casa cheia de gente. Vanda era mocinha, começava a namorar.

Nesse dia quem estourava de contentamento era Octacília, no meio do grupo formado na sala, com discursos, cerveja e uma caneta-tinteiro oferecida ao funcionário.

Parecia ela a homenageada. Joaquim ouvia os discursos, apertava as mãos, recebia a caneta sem demonstrar entusiasmo. Como se aquilo o enfastiasse e não lhe sobrasse coragem para dizê-lo.

Lembrava-se também da fisionomia do pai quando ela lhe comunicara a próxima visita de Leonardo, afinal resolvido a solicitar-lhe a mão. Abanara a cabeça murmurando:

 - Pobre coitado…

Vanda não admitia críticas ao noivo:

 - Pobre coitado, porquê? É de boa família, está bem empregado, não é de bebedeiras e deboches…

 - Sei disso… Sei disso… Estava pensando noutra coisa.

Era curioso: não se recordava de muitos pormenores ligados ao pai. Como se ele não participasse activamente da vida da casa.

Poderia passar horas a lembrar-se de Octacília, cenas, factos, frases, acontecimentos onde a mãe estava presente. A verdade é que Joaquim só começara a contar nas suas vidas quando, naquele dia absurdo, depois de ter tachado Leonardo de “bestalhão”, fitou a ela e a Octacília e soltou-lhes na cara, inesperadamente:

 - Jararacas!

E, com a maior tranquilidade deste mundo, como se estivesse a realizar o menor e mais banal dos actos, foi-se embora e não voltou.

Nisso, porém, não queria Vanda pensar. De novo regressou à infância, era ainda ali que encontrava mais precisa a figura de Joaquim.

Por exemplo, quando ela, menina de cinco anos, de cabelo cacheado e choro fácil, tivera aquele febrão alarmante. Joaquim não abandonara o quarto, sentado junto ao leito da pequena enferma, a tomar-lhe as mãos a dar-lhe remédios.


Era um bom pai e um bom esposo. Com essa última lembrança, Vanda sentiu-se suficientemente comovida e – houvesse mais pessoas no velório – capaz de chorar um pouco, como é obrigação de uma boa filha.

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