quinta-feira, março 13, 2014

Conta mais uma história dele. Uma que tenha mulher...
OS VELHOS

 MARINHEIROS

 Episódio Nº 28










Comoveu-me e abracei-o, não é mau rapaz. Um pouco estourado apenas, maledicente por vezes, mas não será essa amargura resultado de suas dificuldades financeiras?

 Recebe uma pensão miserável, mal pode viver. Negar-lhe talento é impossível e, se abandonasse a mania do futurismo, poderia escrever bons versos.

Expliquei-lhe minhas preocupações em torno da atitude assumida pela população de Periperi naquela primeira fase da luta entre o comandante e Chico Pacheco.

Não concordou Telêmaco com o Meritíssimo, “que entende aquela besta do comportamento dos homens?” Não eram, segundo ele, as provas concretas e materiais - diplomas, mapas, cronógrafo - a causa fundamental do apoio dado ao comandante.

 Não era assim tão simples e fácil, nem dão os homens tanto valor às provas materiais. O que os levava a sustentar o comandante, a enfrentar Chico Pacheco e sua língua temível, era a própria necessidade, sentida por todos eles, despretensiosos e tímidos aposentados e retirados dos negócios, de sua ração de aventura, de sua parcela de heroísmo.

 Por mais circunspecto que seja um homem, mais comedida sua vida, há dentro dele uma chama, por vezes apenas uma fagulha, capaz de transformar-se num incêndio se a ocasião se apresenta.

É ela que exige fugir da mediocridade, mesmo que seja nas palavras de uma história ouvida ou nas páginas de um livro lido, da chatice dos dias iguais, pequenos e mornos.

Nas aventuras do comandante, em sua vida arriscada e temerária, encontravam os perigos por que não haviam passado, as lutas e batalhas que não haviam travado, os alucinados e pecaminosos amores que, não haviam vivido.

Que lhes oferecia Chico Pacheco? - As tricas de um processo judicial contra o Estado era pouco.

 Se ainda fosse um processo criminal, com mortes, esposa adúltera e amante sórdido, facadas ou tiros, júri emocionante, promotor e advogado, ciúme, ódio e amor, talvez tivesse alguma possibilidade... Mas essa pendência em torno de uma aposentadoria era quase nada para o muito de que necessitavam, sua carência de vida mais verdadeira e profunda.

 O comandante era um generoso doador de grandeza humana, eis aí o segredo de seu sucesso.

Confesso parecer-me tudo isso complicado e confuso, um tanto pernóstico também. Telémaco Dórea é assim, mas, no fundo, não é mau sujeito. Aplicou-me mais alguns elogios, tomou-me duzentos cruzeiros para pagar dois dias depois, foi-se embora.

Terminei por expor a questão a Dondoca, no leito cálido onde substituo à noite o Meritíssimo sem seus elevados méritos intelectuais mas com certas vantagens físicas. A safadinha riu seu riso dengoso:

- Esse comandante, apesar de velhote, tem seu encanto. Gosto da voz dele, dos olhos bonitos e da cabeleira. Devia ser bom ficar deitada, ouvindo ele contar seus acontecidos. Um homem assim, não há mulher que não goste...

- Só para ouvir ou, também...? Mordeu o lábio, riu desfalecente:

- Quem sabe, também...

Como se não bastasse o juiz, descarada! Mas ela me puxava pelos cabelos, falava com a boca junto a mim:

- Conta mais uma história dele, uma que tenha mulher no meio do mar, conta, meu bem...

Juro que pensava no comandante, a cachorra.

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