sexta-feira, abril 04, 2014

Pois esse analfabeto é bacharel em Direito...
OS VELHOS

MARINHEIROS

Episódio Nº 46










Hoje há quem caçoe dos doutores, faça burla dos advogados, achando que anel de grau não prova competência. Já li numa gazeta artigo repleto de argumentos onde se provava, por a mais b, residirem nos bacharéis todos os males do Brasil.

É bem possível, também penso assim, mas não discuto, respeito a liberdade de opinião. Sou capaz de jurar, no entanto, que o autor do artigo é doutor em qualquer coisa ou oficial da activa, senão onde iria buscar coragem para tais afirmações? Competir com um doutor é idiotice, rematada loucura, sou prova disso.

Eis por que dou inteira razão ao comandante (enquanto a versão de Chico Pacheco não ficar inteiramente provada não lhe retiro o título, um historiador não pode ser precipitado): a causa de sua melancolia parece-me das mais justas.

Mesmo rico e instalado na Vida, há de ter sofrido humilhações e aborrecimentos por lhe faltar um doutor ou um major no nome, por não ter curso universitário, mesmo desses feitos nas coxas, por malandrins jamais vistos nas aulas como Otoniel Mendonça, o tal amigo do Telêmaco Dórea, de cujas maledicências defendi, em boa hora, o eminente Dr. Alberto Siqueira.

 Pois esse analfabeto é bacharel em Direito. Durante os anos de Faculdade trocou pernas na zona do baixo meretrício e falou mal da vida alheia na porta da Livraria Civilização, na Rua Chile.

 Os professores mal lhe viram as fuças com o que, aliás, nada perderam os venerandos mestres. No entanto, repetindo matérias, fazendo exames de segunda época, passando pela tangente, obteve o canudo e, com ele armado, cavou em seguida emprego público (desses óptimos onde não há nenhum trabalho a fazer), continuou na Rua Chile a falar mal da humanidade.

Não chegava a uma hora diária o tempo por ele dispensado ao serviço do Estado. Pois ainda assim pareceu-lhe demasiado tempo, insinuou uma infiltração no ápice do pulmão esquerdo, deram-lhe, sem pestanejar, licença para tratamento de saúde e em licença ele continua até hoje, gordo e corado, a macular com sua presença a paisagem de Periperi.

Agora, a diferença: só porque não tenho título de doutor, penei como cão sem dono, para obter uma licença de seis meses na repartição, os médicos numa intransigência medonha, fazendo os maiores elogios à minha vista, nunca tinham examinado olhos tão perfeitos.

Garantira-me um amigo que o golpe da doença dos olhos pega sempre: os médicos, comovidos, assinam os papéis sem discussões nem exames.

Conversa fiada, se a ele não examinaram os olhos foi em consideração a seu diploma de dentista, uma espécie de doutor de segunda classe mas ainda assim com suas vantagens.

Só escapei ao descobrir, casualmente, ser um dos médicos sobrinho de um compadre meu. Joguei-lhe em cima o tio com um pedido e o farsante desencavou cataratas graves a ameaçar-me de cegueira.

Deu-me seis meses e renovou. Pude assim dedicar-me, à custa do Estado, à realização da minha obra sobre os Vice-Presidentes da República.

Não sei se conhecem esse meu trabalho, se não o leram vale a pena fazê-lo, digo--o sem falsa modéstia, obteve aceitação e apreço...

Aliás, o caso desse livro vem provar mais uma vez a importância de ser doutor.

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