Que título iria eu arranjar na minha idade... |
OS VELHOS
MARINHEIROS
Episódio Nº 56
- Veja lá: você é capitão dos portos, oficial
da Marinha, comandante... Pedro é
coronel; Jerónimo, doutor; Lídio, tenente . . . E eu? Eu não sou nada, sou um
merda, seu Vasco, seu Aragãozinho, sem título nenhum.
Fitava o comandante, abria o peito,
desabafava:
- Seu Vasco ... Seu Aragãozinho... Cada
vez que ouço me chamarem dá uma coisa aqui
dentro, um desgosto...
- Mas, que besteira, seu moço! Nessa
nunca pensei. Pensei em tudo, até que você tivesse cometido um crime, sei lá...
Mas essa de ficar sofrendo por não ter um título, não. Se vê cada uma...
- É que você não sabe...
- Que coisa... E ainda outro dia a gente
aqui , cada um a querer trocar seu
título, sua posição pela tua vida... Como é o mundo...
- Você sabe lá o que é andar o tempo
todo com coronéis, comandantes, doutores e não ser nada...
De repente o comandante pôs-se a rir,
como se lhe houvesse voltado a bebedeira, como se as amarguras de Vasco fossem
irresistíveis anedotas, e não parava de rir. Ofendeu-se o comerciante:
- Se era para rir, porque me perguntou?...
- e levantava-se. O comandante segurou-o pela manga do paletó:
- Senta aí, seu bestalhão - continha o
riso com esforço. - Quer dizer que se você tiver um título acaba essa tristeza,
essa cara trombuda?
- Que título iria eu arranjar com minha
idade?
- Pois eu vou lhe arranjar um.
- Você? - desconfiava Aragão, habituado
às farsas de Georges.
- Eu mesmo. Pode ficar tranqui lo.
- Pelo amor de Deus, Georges, eu lhe
peço um favor: brinque com tudo que você qui ser,
faça tudo que seja pilhéria comigo, mas não com esse assunto. É um favor que
lhe peço...
Estava grave e quase comovido. O capitão
dos portos balançou a cabeça, seus olhos azuis pousaram-se em Vasco:
- Não seja tolo, então sou homem para
pilheriar com as aflições de um amigo? Disse que ia lhe arranjar um título e
vou mesmo. Estou falando sério. Hoje é dia de festa, vamos beber. Amanhã
conversaremos novamente. Vou resolver seu caso.
No outro dia, logo no começo da tarde, o
comandante mandou um marinheiro à casa de Vasco com um recado. Esperava por ele
na Capitania dos Portos.
O comerciante ainda dormia, quebrado
pela farra da véspera. Só Georges possuía aquela resistência brutal, podia
deitar-se já manhãzinha, estava a postos na Capitania no horário preciso, a
barba feita, o rosto risonho, como se houvesse dormido doze horas.
Aprontou-se Vasco rapidamente,
voltava-lhe à memória a conversa da véspera, em meio à farra imensa. Que
espécie de título era esse, prometido tão solenemente por Georges?
Temia ainda uma farsa, mas o outro
falara sério, suas brincadeiras tinham um limite. No entanto, não podia Vasco
atinar com a solução anunciada para seu problema: afinal os títulos e as
patentes não andavam na rua aos pontapés.
Quando chegou à Capitania já ali se
encontrava o Coronel Pedro de Alencar. Foi logo dizendo a Vasco:
- Mas que absurdo, seu Vasco . . . Vasco
encabulava:
- Não é por minha vontade. Não quero
pensar e penso, não quero sentir e sinto...
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