sexta-feira, maio 09, 2014

Aguardamos as suas ordens, comandante.
OS VELHOS
MARINHEIROS

Episódio Nº 75












- O Comandante foi muito gentil - explicou Antunes.

- Cumpro meu dever, apenas.

Era apresentado ao comissário de bordo, os passageiros cercavam-no curiosos, aquela vinha sendo uma acidentada viagem, com morte a bordo, o corpo do comandante uma noite e um dia na sala de danças transformada em câmara mortuária, a ameaça de demora na Bahia, a notícia auspiciosa da descoberta de um comandante retirado.

Atravessou, guiado por Américo Antunes, por entre a numerosa desordem do embarque, gente a despedir-se, malas transportadas por cabineiros, crianças a atrapalharem os passantes, os latidos de um cão assustado nos braços de madura e enfeitada senhora.

 Rosnou ameaçador o pequinês para o comandante, querendo libertar-se das mãos da viajante. Esta sorriu ao capitão de longo curso e desculpou-se:

- Perdoe-lhe, Comandante, ele não imagina quanto lhe devemos...

Sabiam os passageiros do seu gesto e o valorizavam, sentiu-se Vasco envaidecido:

- ... Meu dever, minha senhora...

Bonitona, o rastro de seu perfume acompanhou o comandante,
que perguntava baixinho a Américo:

- Então é só dizer...

- ... é só dizer...

Subiram a pequena escada conduzindo à coberta reservada aos oficiais. O marinheiro os precedera e colocava as malas do comandante em sua cabine. Vasco apontava o leito:

- Ele morreu aí?

- Não. Morreu na ponte de comando, um colapso, coitado. Passava o médico de bordo, foi-lhe apresentado e os acompanhou à ponte de comando, onde os oficiais já esperavam, perfilados.

- O Comandante Vasco Moscoso de Aragão, que nos dá a honra e presta-nos o obséquio de assumir o comando do navio até Belém.

- Geir Matos, o nosso imediato.

Adiantou-se um rapaz loiro, sorridente. Vasco teve a impressão de uma troca de olhares entre ele e o representante da Companhia, como um piscar de olhos. Mas já o imediato estendia-lhe a mão:

- Muita honra em servir sob as ordens de quem ostenta tão alta condecoração - referia-se à comenda da Ordem de Cristo, no peito da farda, a brilhar.

Seguiram-se os pilotos, o chefe das máquinas», o segundo-maquinista.

Então o imediato, à frente dos demais, na ponte de comando, inclinou-se:

- Aguardamos suas ordens, Comandante.

Vasco lançou um olhar a Américo Antunes, este fez um leve gesto com a cabeça, como a animá-lo, o comandante falou:

- Os senhores sabem que minha presença aqui é apenas uma formalidade exigida pela lei. Não vou querer modificar seja o que for nesses poucos dias de comando. O navio está em boas mãos, meus senhores. Continue, senhor imediato, a comandá-lo, não desejo envolver-me em nada.

- Bem se vê, Comandante, ser o senhor um velho lobo-do-mar, conhecedor dos costumes da navegação. Só recorreremos ao senhor, se algum problema grave surgir inesperadamente, exigindo seus conhecimentos, o que, espero, não aconteça.

Américo Antunes finalizou a cerimónia:

- O navio é seu, Comandante. Eu lhe desejo, em nome da Costeira, uma viagem agradável.

Despediu-se, aproximava-se a hora da partida. Vasco ficou na ponte de comando, ouvindo o imediato transmitir as ordens. Retiravam a escada a ligar o navio ao cais, o apito saudoso perdeu-se além das torres das igrejas, lenços acenavam adeuses, mulheres choravam sob a chuva.

O navio foi-se afastando lentamente, nas primeiras manobras. Vasco olhou em direção a Periperi. Lá estariam, na praia, os amigos, certamente, Zequinha Curvelo, de braço estendido, mão de adeus, a desejar-lhe sucesso e boa viagem.

Gostaria o comandante de levar a luneta ao olho, procurá-los na chuva e na distância a fazer-se maior. Mas não se atrevia sequer a mover-se, naquela hora solene das ordens de partida.


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