Contos que qualquer criança entende
No
Reino da Rosa havia um Rei garboso. Tinha sido coroado com a aclamação do povo
do reino após o anterior Rei ter perdido uma boa parte da floresta para os
reinos rivais numa grande batalha de má memória, tendo por isso abdicado e
partido para o exílio em terras distantes.
O
novo Rei não perdeu tempo na reconstrução do reino e preparação das próximas
batalhas com ajuda do seu povo e dos seus bravos cavaleiros. Todos sabiam que um
reino sem floresta não sobrevive muito tempo, e para além disso a floresta
estava a ser destruída pelos reinos vizinhos, para angústia do povo que nela
vivia e que dela dependia.
Como
Rei prudente que era, a primeira coisa que fez foi reforçar o seu castelo.
Aumentou as muralhas, reforçou as portas e cavou um fosso profundo. Ninguém,
pensou o Rei, ali entraria sem a sua expressa autorização.
Para
animar as suas hostes, nunca falava das anteriores batalhas nem dos feitos do
anterior Rei, caído em desgraça e zombado pelos inimigos do reino. A história,
pensou, não era boa conselheira, e em breve os seus feitos a fariam esquecer.
Alguns cavaleiros não gostaram muito, é certo, sobretudo os que tinham travado
essas batalhas, e alguns até protestaram, mas quando chegasse a hora todos se
reuniriam em volta do seu Rei.
A primeira batalha foi ganha, apesar de ter
sido sobretudo combatida pelos nobres nos seus ducados e condados, alguns
importantes terem sido perdidos, e os conspiradores da corte (porque todos os
reinos os têm) segredassem entre si que a vitória se devia sobretudo à bravura
dos nobres e à fraqueza do inimigo. No entanto, e como era seu real privilégio,
o Rei apressou-se a recolher os louros e despojos da vitória, e o seu prestígio
por entre o povo do Reino da Rosa, pensou, aumentava.
A
segunda batalha, no entanto, não correu assim tão bem. Enquanto os seus inimigos
recuavam em toda a linha na floresta, o garboso Rei apenas conseguiu conquistar
uma pequena parte do que tinha sido abandonado, deixando o resto nos braços de
salteadores, pequenos reinos atrevidos que surgiam aqui e acolá, ou pior ainda,
deixando a floresta ao abandono, numa imensa terra de ninguém.
O
que não o impediu, no entanto, de proclamar aos sete ventos a sua grande
vitória, e de como os inimigos tinham fugido apavorados à mera menção do seu
nome. Ao ouvir isto, o povo já de si algo desalentado por tão magra vitória
agitava-se e murmurava, cada vez mais alto, que talvez este Rei não fosse tão
bravo como se supunha.
Foi
então que do meio dos clamores surgiu o Cavaleiro Branco, que se dirigiu ao povo
do Reino dizendo: vejam os magros proveitos da nossa batalha, sabem
a pouco. Vejam tanta floresta abandonada e por conquistar, a que temos agora
sabe a pouco. Esta vitória que o nosso Rei proclama, sabei-lo bem minha boa
gente, sabe a pouco, e os nossos inimigos preparam-se para o grande
confronto que se avizinha. Pois se el-Rei não é capaz de a travar, serei eu Rei
em seu lugar. Quem está comigo?
Ao ouvir estas
palavras, o garboso Rei empalideceu. Como se atrevia o Cavaleiro Branco a
desafiar a sua autoridade, a pôr em dúvida os seus feitos, a menorizar assim a
sua bravura que sabia por todo o povo reconhecida? Foi então que se encerrou no
seu castelo, de altas muralhas, fortes portas e fosso profundo, e lhe
disse: falas bem Cavaleiro Branco, mas aqui não entrarás
tu enquanto eu não quiser, ou não convenceres os guardas a abrirem a
porta.
E
assim ficou o garboso Rei, no alto das muralhas do seu castelo, a observar o
Cavaleiro Branco lá em baixo, no meio do povo, desafiando-o. Em breve, pensou,
se fartará e se irá embora. Basta para isso ficar na segurança do castelo e
esperar. E todo o reino terá a prova que ele, o legítimo Rei, é realmente o mais
bravo. E se reunirão sob sua liderança para a grande batalha da próxima
Primavera.
Porque
o futuro, como qualquer criança sabe, aos bravos e destemidos reis
pertence.
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