sábado, maio 31, 2014

Quando a morte do avô o libertara, ia pelos 30 anos
OS VELHOS
MARINHEIROS

(Jorge Amado)

Episódio Nº 94










Saiu arrenegando o competente profissional: por que diabo foram arranjar, para substituir o comandante morto, logo um velho marinheiro de longo curso, um finório conhecedor de toda a malandragem? Encolheu os ombros, conformado. Faria a praça do Recife, existiam uns usineiros cheios de açúcar e doidos por poker

Lamentava apenas o sofá de porcelana com os namorados, tão bonito, desejava levá-lo de presente a Daniela, sua esposa. Porque era bem casado, tinha quatro filhos, dois meninos, duas meninas, umas gracinhas todos, adorava a família, não existia melhor esposo e pai.

O comandante suspirou, tomou da peça de biscuit, saiu para o vento da noite.


Do comandante imerso em profundo devaneio e do que lhe foi dado ver na sombra do barco de salvamento


Estava o comandante imerso em profundo devaneio, naquela alta madrugada, na coberta do navio. Pousara com cuidado a peça de biscuit a seu lado, de quando em vez arrancava os olhos das estrelas como um infinito pasto a alimentar os sonhos, e volvia-os para o casal de namorados sentado no sofá de porcelana.

Sua vida fora inteira de solidão, uma longa espera. Nos mares, como nesse instante, a pitar seu cachimbo, sozinho entre os ventos e as luzes do fogo-fátuo, de porto em porto, a trocar de navios e mulheres.

 Seu lar, estreito beliche. Nenhum dia era o dia da escala definitiva em cais com família a esperá-lo, a esposa macerada de saudades, os filhos curiosos dos presentes trazidos de terras exóticas e longínquas.

Em nenhum porto tivera jamais casa montada, pousava a cabeça fatigada em travesseiros pagos de prostíbulos, repousava seu coração ardente no seio de mulheres desconhecidas, era só no mundo, só com seu navio. Só com suas viagens.

E pode um homem viver assim, para sempre sozinho? A casa dos Barris não fora jamais um lar, desde a morte do pai e da mãe, figuras esfumaçadas na memória. Crescera no escritório e no depósito, entre fardos e títulos de cobrança, entre o xarque e as cartas aos fregueses.

Os namoros de todos os adolescentes, o olhar a medo, o sorriso tímido, o adeus atirado de longe, o fugaz aperto de mão, o beijo roubado no escuro de uma porta, nada disso tivera, nem no escritório, nem no mar onde o grumete olhava de longe as orgulhosas e belas passageiras.

Quando a morte do avô o libertara, ia pelos trinta anos, perdera o tempo romântico dos suspiros, dos doces sofrimentos, das moças em flor.

 Sozinho mesmo com os amigos, e quando pôde realmente ser um deles, foram-se um a um, como partiram as mulheres que se sucediam no leito dos Barris.

Algumas demoravam mais, Dorothy deixara-lhe o nome e o coração no braço, eram, porém, como passageiras de uma viagem em transatlântico a seguir adiante, na esteira sem fim das águas.

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