Quem é capaz de descobrir a verdade, passado tanto tempo? |
OS VELHOS
MARINHEIROS
Episódio Nº 68
Não sei o motivo dessa mudança brusca, devem
ter feito alguma intriga, intrigantes não faltam em Periperi e muitos desses
canalhas invejam-me a intimidade com um jurista de trabalhos publicados em
revistas do Sul.
Chego a pensar no pior: tenha o Meritíssimo
suspeitas, ainda que leves, dos meus amores com Dondoca. Seria um desastre.
Conversando sobre o assunto com a meiga rapariga, alarmei-me ainda mais, pois
ela tem notado o juiz diferente no trato, perguntador, examinando fronhas e
lençóis, a exigir-lhe a cada momento juras de fidelidade.
Ainda por cima isso, como se não me
bastassem as dificuldades em meu trabalho, nessa árdua tarefa de restabelecer a
verdade completa em torno das discutidas aventuras do comandante.
Tenho aqui ,
diante de mim, o monte de notas, resultado de minhas pesqui sas. E o que acontece? Se tomo de umas,
encontro-me no meio do mar, viajando pela Ásia no caminho da Oceania, e Dorothy
é a esposa angustiada de desatento milionário, a abandoná-lo pelo amor de um
comandante de navio em cujos braços morre de paixão e febre no porto sujo de
Makassar.
Se tomo das outras, Dorothy é uma
rameira na Pensão Monte Carlo (pensão que comprovei ter realmente existido,
funcionando no primeiro andar de um prédio onde, mais tarde, se estabeleceu a
redacção do Diário da Bahia), largando um amante por outro, dormindo com quem
lhe pagasse, terminando por amancebar-se com um coronel do interior.
Aquele sueco Johann é piloto em certas notas,
comerciante noutras, Menendez vai de armador a sócio de firma comercial,
mantendo-se, no entanto, um péssimo carácter. Uma confusão dos diabos.
Já me disseram ser o tempo quem termina
sempre por estabelecer a verdade, mas não creio nisso. Quanto mais passa o
tempo, mais difícil apurar os fatos, encontrar as provas concretas, os detalhes
esclarecedores.
Se foi difícil aos habitantes de
Periperi descobrir, na ocasião mesmo, quem falava a verdade e quem mentia,
imagine-se hoje, nesse mês de Janeiro de 1961, trinta e dois anos após o
sucedido.
Cheguei à conclusão de que só a
intervenção do destino, numa dessas casualidades ainda sem explicação, pode
realmente, por vezes, levar ao reconhecimento da verdade.
Sem o que, permanecerá a dúvida eterna: foi
Maria Antonieta leviana e corrupta, como querem os sectários da Revolução Francesa,
ou era uma flor de pureza e de bondade, como a pintam os adoradores do
obscurantismo da realeza?
Quem é capaz de descobrir a verdade,
passado tanto tempo?
Quem sabe se ela dormiu ou não com aqueles
condes todos, inclusive com o sueco?
Se não fosse o destino ter intervindo no
momento exacto, nem sei o que teria acontecido em Periperi, naquele ano de
1929, no fim do inverno.
Porque a população, ante a espantosa
história contada por Chico Pacheco, dividiu-se em duas metades.
Os partidários do comandante de um lado,
empunhando o título e a Ordem de Cristo, os seus detractores do outro, bradando
a narração do ex-fiscal do consumo.
Formaram-se dois partidos, duas seitas,
duas colunas de ódio. Os bate-bocas violentos sucediam-se, aqueles poucos que
haviam conservado a cabeça fria, como o velho Marreco, temiam um conflito a
cada momento.
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