quinta-feira, maio 01, 2014

Quem é capaz de descobrir a verdade, passado tanto tempo?
OS VELHOS
MARINHEIROS

Episódio Nº 68











Não sei o motivo dessa mudança brusca, devem ter feito alguma intriga, intrigantes não faltam em Periperi e muitos desses canalhas invejam-me a intimidade com um jurista de trabalhos publicados em revistas do Sul.

Chego a pensar no pior: tenha o Meritíssimo suspeitas, ainda que leves, dos meus amores com Dondoca. Seria um desastre. Conversando sobre o assunto com a meiga rapariga, alarmei-me ainda mais, pois ela tem notado o juiz diferente no trato, perguntador, examinando fronhas e lençóis, a exigir-lhe a cada momento juras de fidelidade.

Ainda por cima isso, como se não me bastassem as dificuldades em meu trabalho, nessa árdua tarefa de restabelecer a verdade completa em torno das discutidas aventuras do comandante.

Tenho aqui, diante de mim, o monte de notas, resultado de minhas pesquisas. E o que acontece? Se tomo de umas, encontro-me no meio do mar, viajando pela Ásia no caminho da Oceania, e Dorothy é a esposa angustiada de desatento milionário, a abandoná-lo pelo amor de um comandante de navio em cujos braços morre de paixão e febre no porto sujo de Makassar.

Se tomo das outras, Dorothy é uma rameira na Pensão Monte Carlo (pensão que comprovei ter realmente existido, funcionando no primeiro andar de um prédio onde, mais tarde, se estabeleceu a redacção do Diário da Bahia), largando um amante por outro, dormindo com quem lhe pagasse, terminando por amancebar-se com um coronel do interior.

 Aquele sueco Johann é piloto em certas notas, comerciante noutras, Menendez vai de armador a sócio de firma comercial, mantendo-se, no entanto, um péssimo carácter. Uma confusão dos diabos.

Já me disseram ser o tempo quem termina sempre por estabelecer a verdade, mas não creio nisso. Quanto mais passa o tempo, mais difícil apurar os fatos, encontrar as provas concretas, os detalhes esclarecedores.

Se foi difícil aos habitantes de Periperi descobrir, na ocasião mesmo, quem falava a verdade e quem mentia, imagine-se hoje, nesse mês de Janeiro de 1961, trinta e dois anos após o sucedido.

Cheguei à conclusão de que só a intervenção do destino, numa dessas casualidades ainda sem explicação, pode realmente, por vezes, levar ao reconhecimento da verdade.

 Sem o que, permanecerá a dúvida eterna: foi Maria Antonieta leviana e corrupta, como querem os sectários da Revolução Francesa, ou era uma flor de pureza e de bondade, como a pintam os adoradores do obscurantismo da realeza?

Quem é capaz de descobrir a verdade, passado tanto tempo?

Quem sabe se ela dormiu ou não com aqueles condes todos, inclusive com o sueco?

Se não fosse o destino ter intervindo no momento exacto, nem sei o que teria acontecido em Periperi, naquele ano de 1929, no fim do inverno.

Porque a população, ante a espantosa história contada por Chico Pacheco, dividiu-se em duas metades.

Os partidários do comandante de um lado, empunhando o título e a Ordem de Cristo, os seus detractores do outro, bradando a narração do ex-fiscal do consumo.

Formaram-se dois partidos, duas seitas, duas colunas de ódio. Os bate-bocas violentos sucediam-se, aqueles poucos que haviam conservado a cabeça fria, como o velho Marreco, temiam um conflito a cada momento.


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