terça-feira, junho 17, 2014

Noivado demorado não dá certo nunca
OS VELHOS
MARINHEIROS

(Jorge Amado)

Episódio Nº 108









- As Sensitivas Baqueanas são, em geral, compreensivas para com os erros alheios, as cabeçadas, a boémia. Gostam de proteger namoros, arrumar noivados, casamentos. Apenas, não devem merecer demasiada confiança, pois, se tiverem ocasião...

As Grandes Baqueanas odeiam as mulheres bonitas, os namorados, as recém-casadas como a senhora, dona Maria Amélia. Uma senhora grávida é, para elas, uma imoralidade.

- Que horror... - sorriu a recém-casada, aconchegando-se ao esposo, apertando-lhe a mão.

- Clotilde é uma Grande Baqueana. Mas, outra característica das baqueanas, sobretudo na categoria das solteironas, é conservar a esperança. E, em algumas raras vezes, acontece uma Grande Baqueana passar para a categoria de Sensitiva Baqueana, casando-se. É o que está tentando fazer Clotilde, apelidada, por suas alunas de piano, de Tildinha Chilique.

- O comandante é solteirão, segundo me disse - considerou o reverendo. - Seria o encontro de duas almas solitárias, a se darem o braço no Outono da vida ...

- O senhor é um poeta, Reverendo. Nunca escreveu versos?

- Pobres composições em louvor da Virgem e de Seu Filho ...

- Viu como adivinhei? Pois Clotilde Maria da Assunção Fogueira é um caso típico de Grande Baqueana de Coração Ferido. Trata-se de uma subcategoria, dona Domingas. Subcategoria das mais interessantes.

É composta pelas Grandes Baqueanas que estiveram para casar-se, foram noivas, estavam prestes a romper o estado pecaminoso de solteira...

- Que heresia, meu Deus! - o reverendo levantou as mãos. Riu contente a mameluca, sorria dona Domingas, o senador fez um gesto parlamentar, tanto podia ser de aprovação como de desaprovação.

- ... e um dia o noivo some, acaba o noivado. Assim aconteceu com Clotilde. Foi assunto muito comentado em Belém. Eu tinha então meus vinte anos, ela deve ser uns dois mais velha que eu. Estou com quarenta e três feitos.

- Não parece... - não pôde deixar de exclamar a mameluca.

- Que aconteceu?

- Conte-nos o caso, Doutor.

- A família Fogueira era constituída pelo pai e três filhos, um rapaz e duas moças. Clotilde era a mais velha dos três. O rapaz está rico, começou a trabalhar com o pai e, depois que este faleceu, ampliou muito seus negócios

A irmã mais moça casou-se com um engenheiro, vive no Rio. Clotilde, prendada e instruída, foi muito requestada pelos rapazes.

Aprendera piano com uma polonesa, esposa de um inglês exportador de borracha. Tinha gosto para a música, os pais encantados com a filha a tirar melodias ao piano. Se ela quisesse podia ter casado naquela época e até bem. Não era feia e sobravam-lhe prendas.

- E por que não casou?

- Escolheu demais. Seu defeito era o pernosticismo, queria um príncipe encantado.

Quando se deu conta, sua irmã mais moça já tinha casado e esperava o primeiro filho. Nessa ocasião apareceu em Belém, vindo de São Luís, um médico, tirado a elegante. Montou consultório, ficou esperando clientela, e enquanto esperava arrastou a asa a Clotilde. Conquistou-a com a música, era entendido. Também ela já não estava tão exigente...

- Hoje ainda menos... O comandante é um velhote...

- Não está tão ruim assim. Homem de boa presença...

- Andava então pelos vinte e um, vinte e dois anos, naquele tempo, quando as mulheres casavam aos quinze e dezasseis, já era “moça velha”. Noivaram com um mês ou dois de namoro. Para namoro curto, noivado longo.

Ele podia entender de música mas em Medicina era nulo. Tinha uma clientela somítica, não ganhava para viver. Almoçava e jantava em casa da noiva, morava num quarto de pensão. O noivado se arrastou por uns quatro ou cinco anos.

- Noivado demorado não dá certo nunca... 

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