Desculpe, comandante,, mas o senhor, velho marinheiro... |
OS VELHOS
MARINHEIROS
(Jorge Amado)
Episódio Nº 125
- Mas eu já lhe disse, meu amigo, que
não desejo envolver-me em nada, nenhuma ordem desejo dar. Vim aqui para atender a uma necessidade, mas o navio está
em boas mãos.
- Desculpe, Comandante, mas o senhor,
velho marinheiro que tão bem conhece as leis da marinheiraria, certamente não
está se lembrando de que este é o último porto da viagem e que, no último porto,
compete ao comandante e só ao comandante, a ninguém mais, ordenar o número de
amarras com que deve ser o navio amarrado ao cais.
- O último porto! Tem razão, não me
lembrava... As amarras...
Em Salvador, antes do navio partir,
parecera-lhe perceber uma troca de olhares entre o imediato e aquele Américo
Antunes, representante da Costeira na Bahia que, no entanto, lhe jurara e
prometera ...
- Comandante, estamos esperando. Nós e
os passageiros. As máqui nas já estão
quase paradas, com quantas amarras vamos amarrar o navio?
Fitou-o Vasco com seus olhos puros:
- Com quantas amarras? - e o divinatório
dom dos poetas iluminou-lhe a fronte, não havia erro possível. - Com quantas?
Fez uma pausa, pronunciou com sua voz de
comandante, acostumado a comandar:
- Com todas!
Entreolharam-se, surpreendidos, os oficiais
de bordo, por um momento estupefactos. Não era aquela a resposta que esperavam.
Para falar a verdade, não esperavam resposta e, sim, a atrapalhação. a
confusão, o desmascaramento.
Mas, após o breve instante de perplexidade, o
imediato sorriu - agora a pilhéria seria completa - levou o altifalante à boca
e transmitiu à tripulação a ordem espantosa:
- Ordem do Comandante: amarrar o navio
com todas as amarras.
Compreenderam os oficiais, contendo os
sorrisos. O comissário desceu correndo as escadas: era preciso evitar a
impaciência dos passageiros, explicar-lhes.
Começou o corre-corre da tripulação,
iniciou-se o espectáculo que iria reunir tanta gente no cais, trazendo para
diante do Ita os oficiais e marujos de todos os demais navios, inclusive dos
gaiolas.
Diante do comandante, o imediato voltou
a perguntar:
- Quantos ferros, Comandante?
- Todos!
A voz do imediato, no amplificador:
- Ordem do Comandante: todos os ferros!
- Quantas manilhas, Comandante?
- Todas!
- Ordem do Comandante: todas as
manilhas! - transmitia o imediato.
Era a completa alucinação do navio,
âncoras a descer, num ruído infernal. O comissário, na primeira classe, ia de
passageiro em passageiro, explicando.
- Quantas espias, Comandante?
- Todas!
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