segunda-feira, julho 07, 2014

Desculpe, comandante,, mas o senhor, velho marinheiro...
OS VELHOS
MARINHEIROS

(Jorge Amado)

Episódio Nº 125










- Mas eu já lhe disse, meu amigo, que não desejo envolver-me em nada, nenhuma ordem desejo dar. Vim aqui para atender a uma necessidade, mas o navio está em boas mãos.

- Desculpe, Comandante, mas o senhor, velho marinheiro que tão bem conhece as leis da marinheiraria, certamente não está se lembrando de que este é o último porto da viagem e que, no último porto, compete ao comandante e só ao comandante, a ninguém mais, ordenar o número de amarras com que deve ser o navio amarrado ao cais.

- O último porto! Tem razão, não me lembrava... As amarras...

Em Salvador, antes do navio partir, parecera-lhe perceber uma troca de olhares entre o imediato e aquele Américo Antunes, representante da Costeira na Bahia que, no entanto, lhe jurara e prometera ...

- Comandante, estamos esperando. Nós e os passageiros. As máquinas já estão quase paradas, com quantas amarras vamos amarrar o navio?

Fitou-o Vasco com seus olhos puros:

- Com quantas amarras? - e o divinatório dom dos poetas iluminou-lhe a fronte, não havia erro possível. - Com quantas?

Fez uma pausa, pronunciou com sua voz de comandante, acostumado a comandar:

- Com todas!

Entreolharam-se, surpreendidos, os oficiais de bordo, por um momento estupefactos. Não era aquela a resposta que esperavam. Para falar a verdade, não esperavam resposta e, sim, a atrapalhação. a confusão, o desmascaramento.

 Mas, após o breve instante de perplexidade, o imediato sorriu - agora a pilhéria seria completa - levou o altifalante à boca e transmitiu à tripulação a ordem espantosa:

- Ordem do Comandante: amarrar o navio com todas as amarras.

Compreenderam os oficiais, contendo os sorrisos. O comissário desceu correndo as escadas: era preciso evitar a impaciência dos passageiros, explicar-lhes.

Começou o corre-corre da tripulação, iniciou-se o espectáculo que iria reunir tanta gente no cais, trazendo para diante do Ita os oficiais e marujos de todos os demais navios, inclusive dos gaiolas.

Diante do comandante, o imediato voltou a perguntar:

- Quantos ferros, Comandante?

- Todos!

A voz do imediato, no amplificador:

- Ordem do Comandante: todos os ferros!

- Quantas manilhas, Comandante?

- Todas!

- Ordem do Comandante: todas as manilhas! - transmitia o imediato.

Era a completa alucinação do navio, âncoras a descer, num ruído infernal. O comissário, na primeira classe, ia de passageiro em passageiro, explicando.

- Quantas espias, Comandante?


- Todas!

Site Meter