Seu Waldemar da padaria está de olho em tu... |
TOCAIA GRANDE
(Jorge Amado)
Episódio Nº 46
Guta, que se gabava de sabida e viajada, nunca pusera os olhos num cigano de verdade em toda a sua vida de mulher-dama.
Pedro Cigano, com quem se enxodozara
apenas chegara a Itapira, procedente de Amargosa, chamego de estrada, de pouca
duração, de cigano tinha somente o apelido e o gosto da mentira; pelo sangue puxara
a índio, daí a cor fosca e o cabelo liso.
Enganada pelo nome, Guta se engajou com o
sanfoneiro mas se desvencilhou do compromisso umas tantas léguas adiante, na
primeira encruzilhada: até mais ver, seu moço, não há bem que sempre dure.
Não se zangue nem me leve a mal. Prosseguiu em
sua busca. Não há bem que sempre dure, Guta
aprendera no melhor da festa.
A
festa durara poucas luas pois Sô Nacinho era de lua e de veneta e dela cedo se
enfastiou. Sô Nacinho dispunha de escolha numerosa e variada em Amargosa: no
eito onde as moças colhiam as folhas de tabaco, no varal onde as secavam, na
oficina onde enrolavam charutos no suor das coxas.
Dono das terras, das plantações, dos
rolos de fumo, dos charutos olorosos, como se a riqueza não bastasse, Sô
Nacinho - Inácio Beckmann da Silva - possuía olhos azuis, herança de holandeses, alta
estatura, riso sedutor, trato cortês - um garanhão.
Cuidadoso de seus pertences, atravessava
atento entre as moças, acontecia reparar numa delas, cabrocha desabrochando na
idade certa. Os olhos azuis de Sô Nacinho se embaçavam, mandava-a chamar ao
escritório.
Enquanto o capricho perdurava não existia macho
mais ardente e enamorado, mais terno e afável. Até passar a lua, a veneta
terminar. Igual ao súbito interesse, de repente o enfado: mandava a moça de volta à rotina
do trabalho: não há bem que sempre dure.
Não paga a pena demorar-se na história
dos amores de Guta e Sô Nacinho pois no principal não se
encontra novidade a acrescentar.
Viera
de atingir quatorze anos, mulher feita, a ponto para a cama, uma comichão no
vão das coxas e o cheiro doce de
fumo:
esperava impaciente que Sô Nacinho reparasse nela.
Não por ser o patrão, por ser bonito.
Quando recebeu o recado para procurá-lo no escritório, Guta estava pronta e
disposta, acorreu alvoroçada. Não teve razão de queixa como não a tiveram as
que a precederam. Sô Nacinho sabia como tratar mulher quando a queria e quando
a desprezava.
Bonito e falso como um cigano, assim o
definiam.
Se quase tudo foi repetição do
acontecido com as demais, todavia Guta não aceitou o retorno à oficina para
enrolar charutos no côncavo das coxas, preferiu ser rapariga.
Mas não permaneceu em Amargosa pois não
desejava viver aflita na agonia de vê-lo passar na rua sem atentar nela. Não se
zangou nem lhe qui s mal, não chorou
nem rogou praga, de nada adiantava.
Arrumou a trouxa, informou à tia que bem
ou mal lhe servira de mãe quando a mãe faltara:
-
Tia, me bote a bênção, vou embora.
-
Por que não fica por aqui mesmo, sia
tola? Seu Waldemar da padaria está de olho em tu, já me fez saber.
Em Amargosa, nem Waldemar da padaria nem
outro qualquer: tomara enjôo do lugar.
Trouxa na cabeça, rumou para Corta-Mão
onde se instalou novinha em
folha. Depois , desceu na esteira do cacau: as notícias de
opulência e desperdício repetiam-se aliciantes, alvoroçando as putas.
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