terça-feira, outubro 07, 2014

A fulva cabeleira de Henriette
TOCAIA GRANDE

(Jorge Amado)

Episódio Nº 68


















Gastaram champanhe francês e conhaque Macieira confraternizando com os Medauar e os Sá Barreto, familiares dos outros dois rapazes grapiúnas que se formaram na mesma turma: as roças de cacau começavam a produzir doutores.

Ao baile seguiu-se pela madrugada monumental esbórnia no castelo de Madame Henriette cuja origem marselhesa a pronúncia, a perícia e o estipêndio atestavam. Farra oferecida por Venturinha a alguns colegas, os mais íntimos: o Coronel afrouxara generosamente os cordéis da bolsa.

Madame Henriette não tinha rival na organização de uma patuscada de categoria, de une féerie como ela própria proclamava.

Castelo discreto, rendez-vous aristocrático, madamas chiques, recrutadas a peso de ouro entre mancebas e manteúdas de senhores de alto coturno: fidalgos do Recôncavo, atacadistas da Cidade Baixa, comerciantes da Cidade Alta, desembargadores, altas patentes militares, políticos poderosos - o clero e a nobreza.

 Recatadas e opíparas, cada qual mais desejável, a começar pela galante patroa do puteiro, francesa e loira. Interesseira, financista, la sage Henriette dividia o tempo de trabalho entre três clientes de truz, apatacados e perdulários; romântica, la folle Henriette reservava inteiro o tempo de lazer ao jovem e lindo Jorge Medauar que, por casualidade, naquele mesmo dia se formara, junto com Venturinha, amigo e confidente, companheiro de república; Medauar era o poeta da turma, aplaudido e requestado, ai-jesus das moças e das raparigas.

Compunha versos e os publicava nos jornais; as donzelas recitavam nas festas familiares o “Soneto do Luar dos Teus Cabelos”, dedicado a uma anónima “H., drolática e adusta flor do mar mediterrâneo”.

 A fulva cabeleira de Henriette - campo de trigo enluarado, primavera aurifulgente nas rimas do soneto - desatada e luminosa, comandava a festa, festa dela também, como se vê.

 Não podendo assim a castelã fazer par com o anfitrião e nos seus braços desmaiar, com ele prevaricou a ruiva Rebeca, a dos pentelhos cor de vinho, sol disant exclusiva do Capitão dos Portos.  Soi-disant exclusivas, todas elas, sem excepção.

Missa e baile, diplomação e regalório, alegrias pretéritas mas sempre presentes na memória do coronel Boaventura Andrade que as recordava com justo orgulho e certa melancolia.

 Ajoelhara – se durante a missa cantada, divertira-se com os embustes do sermão, comovera-se na cerimónia de formatura, espairecera no baile apesar do colarinho de ponta-virada e dos sapatos de verniz.

 Da farra soubera e a aprovara quando nos braços morenos de Domingas Beija-flor - soi-disant -  exclusiva de Monsenhor da Silva, prior da Sé, poço de virtudes, santo varão -  no sétimo dia descansou de festas, solenidades, emoções.

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