A fulva cabeleira de Henriette |
TOCAIA GRANDE
(Jorge Amado)
Episódio Nº 68
Gastaram champanhe francês e conhaque Macieira confraternizando com os Medauar e os Sá Barreto, familiares dos outros dois rapazes grapiúnas que se formaram na mesma turma: as roças de cacau começavam a produzir doutores.
Ao baile seguiu-se pela madrugada
monumental esbórnia no castelo de Madame Henriette cuja origem
marselhesa a pronúncia, a perícia e o estipêndio atestavam. Farra oferecida por
Venturinha a alguns colegas, os mais íntimos: o Coronel afrouxara generosamente
os cordéis da bolsa.
Madame Henriette não tinha rival na
organização de uma patuscada de categoria, de une féerie como ela própria
proclamava.
Castelo discreto, rendez-vous
aristocrático, madamas chiques, recrutadas a peso de ouro entre mancebas e
manteúdas de senhores de alto coturno: fidalgos do Recôncavo, atacadistas da
Cidade Baixa, comerciantes da Cidade Alta, desembargadores, altas patentes militares,
políticos poderosos - o clero e a nobreza.
Recatadas e opíparas, cada qual mais
desejável, a começar pela galante patroa do puteiro, francesa e loira.
Interesseira, financista, la sage Henriette dividia o tempo de trabalho entre
três clientes de truz, apatacados e perdulários; romântica, la folle Henriette
reservava inteiro o tempo de lazer ao jovem e lindo Jorge Medauar que, por casualidade,
naquele mesmo dia se formara, junto com Venturinha, amigo e confidente,
companheiro de república; Medauar era o poeta da turma, aplaudido e requestado,
ai-jesus das moças e das raparigas.
Compunha versos e os publicava nos
jornais; as donzelas recitavam nas festas familiares o “Soneto do Luar dos Teus Cabelos”, dedicado a uma anónima
“H., drolática e adusta flor do mar mediterrâneo”.
A
fulva cabeleira de Henriette - campo de trigo enluarado, primavera aurifulgente
nas rimas do soneto - desatada e luminosa, comandava a festa, festa dela também,
como se vê.
Não podendo assim a castelã fazer par com o
anfitrião e nos seus braços desmaiar, com ele prevaricou a ruiva Rebeca, a dos
pentelhos cor de vinho, sol disant exclusiva do Capitão dos Portos. Soi-disant exclusivas, todas elas, sem excepção.
Missa e baile, diplomação e regalório,
alegrias pretéritas mas sempre presentes na memória do coronel Boaventura
Andrade que as recordava com justo orgulho e certa melancolia.
Ajoelhara – se durante a missa cantada,
divertira-se com os embustes do sermão, comovera-se na cerimónia de formatura,
espairecera no baile apesar do colarinho de ponta-virada e dos sapatos de
verniz.
Da farra soubera e a aprovara quando nos
braços morenos de Domingas Beija-flor - soi-disant - exclusiva de Monsenhor da
Silva, prior da Sé, poço de virtudes, santo varão - no sétimo dia descansou de festas,
solenidades, emoções.
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