segunda-feira, outubro 06, 2014

Senhoras e senhoritas ostentando solenes toaletes.
TOCAIA GRANDE
(Jorge Amado)

Episódio Nº 67




3














Na Rua do Comércio, em Itabuna, a porta da escada de um sobrado, propriedade do Coronel, ostentava desde Dezembro uma placa reluzente onde se lia: Dr. Boaventura da Costa Andrade Filho, advogado.

 Andrade Filho como constava da certidão de baptismo: Júnior era invenção de gringo e o fazendeiro abominava estrangeirices.

 A parte térrea do sobrado servia como depósito de cacau seco, ali os tropeiros da Fazenda da Atalaia arriavam as cargas num contínuo movimento de homens e animais.

Apesar de residir em Ilhéus, o Coronel fora de opinião que Venturinha devia montar escritório em Itabuna, município novo e progressista em cujo território se situavam as propriedades rurais que um dia seriam suas - o que não o impediria de advogar em toda a região.

Em Maio, finalmente, o jovem causídico chegava para assumir, segundo parecia, o escritório e as responsabilidades que o esperavam, muitas e trabalhosas.

A formatura de Venturinha fora acontecimento cantado em prosa e verso: os meses se haviam passado mas as comemorações do ostentoso evento ainda eram recordadas.

Os festejos, começados na Capital, prolongaram-se em Ilhéus e em Itabuna, findaram na fazenda.

No dia magno da formatura, pela manhã, o Arcebispo da Bahia, primaz do Brasil, celebrara missa cantada na Catedral Basílica e no verboso sermão conclamou os formandos à “defesa intransigente do direito e da justiça, missão sagrada daqueles que adoptavam a meritória carreira da advocacia”.

No silêncio da Catedral, o Coronel resmungara ao escutar as palavras de Sua Reverendíssima: bonitas porém falsas, sem sentido.

 Os bacharéis não passavam de uns trapalhões, metidos a sebo, úteis sem dúvida, indispensáveis exactamente para coonestar as violações do direito e da justiça. Caríssimos, ademais. Agora o Coronel tinha um em casa, ao seu dispor.

A solenidade da diplomação efetuou-se à noite no salão nobre da Faculdade, sob a presidência do Governador do Estado.

Envoltos na beca negra, de borla e capelo, os novos bacharéis
prestaram juramento e receberam das mãos de Sua Excelência os canudos com os diplomas.

 Dona Ernestina não parara de chorar e o Coronel Boaventura Andrade, couro e alma curtidos em tantas peripécias fungou escondendo uma lágrima no punho do paletó. Terno novo, azul-escuro, de casemira inglesa.

No dia seguinte, um domingo, realizou-se o baile oferecido pelos recém-formados aos seus familiares e à sociedade baiana no Clube Carnavalesco Cruz Vermelha. Senhoras e senhoritas ostentando luxuosas toaletes, os homens de branco a rigor nos engomados duques de linho agá-jota.

 O Coronel e dona Ernestina compareceram, enfarpelados da cabeça aos pés. Ela, com as banhas opressas pelas barbatanas do espartilho; ele, constrangido no colarinho duro, nos sapatos de verniz: ainda assim não cabiam em si de contentes.


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