Senhoras e senhoritas ostentando solenes toaletes. |
TOCAIA GRANDE
(Jorge Amado)
Episódio Nº 67
3
Na Rua do Comércio, em Itabuna, a porta da escada de um sobrado, propriedade do Coronel, ostentava desde Dezembro uma placa reluzente onde se lia: Dr. Boaventura da Costa Andrade Filho, advogado.
Andrade
Filho como constava da certidão de baptismo: Júnior era invenção de gringo e o
fazendeiro abominava estrangeirices.
A
parte térrea do sobrado servia como depósito de cacau seco, ali os tropeiros da
Fazenda da Atalaia arriavam as cargas num contínuo movimento de homens e
animais.
Apesar de residir em Ilhéus, o Coronel
fora de opinião que Venturinha devia montar escritório em Itabuna, município
novo e progressista em cujo território se situavam as propriedades rurais que
um dia seriam suas - o que não o impediria de advogar em toda a região.
Em Maio, finalmente, o jovem causídico
chegava para assumir, segundo parecia, o escritório e as responsabilidades que
o esperavam, muitas e trabalhosas.
A formatura de Venturinha fora
acontecimento cantado em prosa e verso: os meses se haviam passado mas as
comemorações do ostentoso evento ainda eram recordadas.
Os festejos, começados na Capital,
prolongaram-se em Ilhéus e em Itabuna, findaram na fazenda.
No dia magno da formatura, pela manhã, o
Arcebispo da Bahia, primaz do Brasil, celebrara missa
cantada na Catedral Basílica e no verboso sermão conclamou os formandos à
“defesa intransigente do direito e da justiça, missão sagrada daqueles que adoptavam
a meritória carreira da advocacia”.
No silêncio da Catedral, o Coronel
resmungara ao escutar as palavras de Sua Reverendíssima: bonitas porém falsas,
sem sentido.
Os bacharéis não passavam de uns trapalhões,
metidos a sebo, úteis sem dúvida, indispensáveis exactamente para coonestar as
violações do direito e da justiça. Caríssimos, ademais. Agora o Coronel tinha
um em casa, ao seu dispor.
A solenidade da diplomação efetuou-se à
noite no salão nobre da Faculdade, sob a presidência do Governador do Estado.
Envoltos na beca negra, de borla e
capelo, os novos bacharéis
prestaram juramento e receberam das mãos
de Sua Excelência os canudos com os diplomas.
Dona Ernestina não parara de chorar e o
Coronel Boaventura Andrade, couro e alma curtidos em tantas peripécias fungou
escondendo uma lágrima no punho do paletó. Terno novo, azul-escuro, de casemira
inglesa.
No dia seguinte, um domingo, realizou-se
o baile oferecido pelos recém-formados aos seus familiares e à sociedade baiana
no Clube Carnavalesco Cruz Vermelha. Senhoras e senhoritas ostentando luxuosas
toaletes, os homens de branco a rigor nos engomados duques de linho agá-jota.
O
Coronel e dona Ernestina compareceram, enfarpelados da cabeça aos pés. Ela, com
as banhas opressas pelas barbatanas do espartilho; ele, constrangido no colarinho
duro, nos sapatos de verniz: ainda assim não cabiam em si de contentes.
0 Comments:
Enviar um comentário
<< Home