Comprar era uma arte, a arte do embuste |
TOCAIA GRANDE
(Jorge Amado)
Episódio Nº 102
Espaçara as viagens, reduzira os dias de
ausência. Ainda assim, nos começos não gozava um momento de sossego enquanto permanecia
em Ilhéus e Itabuna o prazo estritamente indispensável para as compras e os
pagamentos: comprar era uma arte, a arte do embuste e da barganha, pagar era
uma ciência de prazos e de juros.
Mesmo durante a noite, curta para a
conversação, o jogo, o cabaré e as raparigas, o pensamento prosseguia inqui eto no armazém, nas sobressaltadas brenhas.
Sucedera por ocasião de sua primeira ausência, poderia repetir-se.
Apesar da solicitude de Coroca e da sombra
protectora do capitão Natário da Fonseca.
Levara três meses seguidos sem sair de
Tocaia Grande, desde a festiva chegada do primeiro sortimento conduzido nas cangalhas
de uma tropa que regressava de Taquaras.
Carga volumosa, mercadorias variadas, de
carne-seca a calças de brim e de bulgariana, de cachaça a carretéis de linha,
de farinha, munição para espingardas, abundância de doer na vista.
Para adqui rir
tantos géneros em tamanha quantidade despendera suas economias, todas elas, e ainda
ficara devendo.
Casa comercial, metade armazém de secos e
molhados, metade loja de miudezas, mesmo tacanha, não é mala de mascate.
Acorreram todos a ajudá-lo no descarrego
e na arrumação: mulheres e homens, os poucos que ali viviam e os que estavam de
passagem: contados um a um não somavam vinte criaturas naquele dia jubiloso da
inauguração.
Fadul salvou a data com meia dúzia de
foguetes e uma rodada grátis de cachaça; em seguida iniciou as vendas.
Somente quando o estoque começou a
faltar, resolveu tirar uns dias para refazê-lo nas praças de Ilhéus e de
Itabuna.
Ganhara experiência a respeito dos
artigos a comprar: quais os de maior consumo, as quantidades-justas, as marcas
preferidas. Grande, o gasto de jabá, cachaça e rapadura, mas da dúzia de calças
de brim tinham saído apenas duas e a preço rebaixado.
Em compensação vendera todas as de bulgariana
e mais houvesse.
Alta noite, trancado em casa para que
ninguém o visse, à luz do fifó recontou a maçaroca de dinheiro, notas de pouco
valor, sujas, rasgadas, emendadas com sabão.
Retirou do estoque um lenço de pescoço, grande
e vermelho, nele depositou as cédulas à maneira dos alugados, aprendida nos
tempos de mascate.
Deu um nó nas pontas e com uma presilha fixou
o amarrado no fundo do bolso direito da calça. Quanto às moedas, muitas, de
cobre e de níquel, após separá-las pelo valor, embrulhou cada montículo num
pedaço de papel e os guardou numa sacola de couro que levaria amarrada na
cintura sob a camisa.
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