quarta-feira, novembro 19, 2014

Comprar era uma arte, a arte do embuste
TOCAIA GRANDE
(Jorge Amado)

Episódio Nº 102


















Espaçara as viagens, reduzira os dias de ausência. Ainda assim, nos começos não gozava um momento de sossego enquanto permanecia em Ilhéus e Itabuna o prazo estritamente indispensável para as compras e os pagamentos: comprar era uma arte, a arte do embuste e da barganha, pagar era uma ciência de prazos e de juros.

 Mesmo durante a noite, curta para a conversação, o jogo, o cabaré e as raparigas, o pensamento prosseguia inquieto no armazém, nas sobressaltadas brenhas. Sucedera por ocasião de sua primeira ausência, poderia repetir-se.

Apesar da solicitude de Coroca e da sombra protectora do capitão Natário da Fonseca.

Levara três meses seguidos sem sair de Tocaia Grande, desde a festiva chegada do primeiro sortimento conduzido nas cangalhas de uma tropa que regressava de Taquaras.

Carga volumosa, mercadorias variadas, de carne-seca a calças de brim e de bulgariana, de cachaça a carretéis de linha, de farinha, munição para espingardas, abundância de doer na vista.

Para adquirir tantos géneros em tamanha quantidade despendera suas economias, todas elas, e ainda ficara devendo.

Casa comercial, metade armazém de secos e molhados, metade loja de miudezas, mesmo tacanha, não é mala de mascate.

Acorreram todos a ajudá-lo no descarrego e na arrumação: mulheres e homens, os poucos que ali viviam e os que estavam de passagem: contados um a um não somavam vinte criaturas naquele dia jubiloso da inauguração.

Fadul salvou a data com meia dúzia de foguetes e uma rodada grátis de cachaça; em seguida iniciou as vendas.

Somente quando o estoque começou a faltar, resolveu tirar uns dias para refazê-lo nas praças de Ilhéus e de Itabuna.

Ganhara experiência a respeito dos artigos a comprar: quais os de maior consumo, as quantidades-justas, as marcas preferidas. Grande, o gasto de jabá, cachaça e rapadura, mas da dúzia de calças de brim tinham saído apenas duas e a preço rebaixado.

Em compensação vendera todas as de bulgariana e mais houvesse.

Alta noite, trancado em casa para que ninguém o visse, à luz do fifó recontou a maçaroca de dinheiro, notas de pouco valor, sujas, rasgadas, emendadas com sabão.

Retirou do estoque um lenço de pescoço, grande e vermelho, nele depositou as cédulas à maneira dos alugados, aprendida nos tempos de mascate.

 Deu um nó nas pontas e com uma presilha fixou o amarrado no fundo do bolso direito da calça. Quanto às moedas, muitas, de cobre e de níquel, após separá-las pelo valor, embrulhou cada montículo num pedaço de papel e os guardou numa sacola de couro que levaria amarrada na cintura sob a camisa.

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