DA
MORTE?
( Richard Dawkins)
Mark
Twain, considerado por William Faulkner, o primeiro escritor verdadeiramente
americano, dizia:
«Não tenho medo da morte. Estive
morto durante milhões e milhões de anos antes de nascer e não senti o mais
pequeno incómodo por isso».
Richard Dawkins disse precisamente o
mesmo mas de uma forma mais elaborada que aqui
reproduzi no meu texto de 1 de Maio sob o título “Falando sobre Religiões”, mas
que vale a pena reescrevê-lo em parte novamente:
«A vida é uma extraordinária
oportunidade e eu que vou morrer considero-me bafejado pela sorte porque a
maior parte das pessoas nunca vai morrer porque nunca vai chegar a nascer.
…Como poderemos nós, então, os poucos
privilegiados, que contra todas as probabilidades, ganhamos a lotaria do
nascimento, atrever-mos a queixar-nos do nosso inevitável regresso a esse
estado anterior do qual a vasta maioria nunca despertou?».
Há poucas semanas, para me poupar a
um desagradável exame, submeti-me a uma anestesia geral e quando, deitado na
marquesa, aguardava a injecção da anestesia, pensei que me ia sujeitar a uma
simulação da morte.
Quando, pouco tempo depois acordei,
fiquei a pensar que ter estado desligado da vida pouco mais de uma hora ou o
resto da eternidade, teria sido precisamente o mesmo: o vazio total e, afinal,
sem ter custado nada…
Contudo, as sondagens vão no sentido
de que aproximadamente 95% das pessoas acreditam que vão sobreviver à própria
morte.
Quase tenho vontade de dizer, por
brincadeira, que os homens vivem durante tantos anos que se habituam a estar
vivos e depois… não querem morrer.
Claro que a natureza dotou os animais
e naturalmente, o homem também, do instinto da sobrevivência, mas do ponto de vista evolutivo, para quê
estar vivo durante tantos anos?
O arqui tecto
Niemeyer faleceu em 2012 com 105 anos o
nosso Manuel de Oliveira com 104 continua a trabalhar nos seus filmes.
São exemplos relativamente aos quais
me apetece dizer que deviam ficar cá para sempre mas a maioria esmagadora dos
nossos velhos limitam-se a aguardar a morte sentados, por aí, nos bancos dos
jardins, tristes, inúteis, abandonados como se não tivessem préstimo algum.
O meu vizinho do 5º esq. que lá vai
suportando os seus noventa anos com a ajuda da bengala e tendo por companhia a
solidão, as dores e os desgostos da vida desabafou comigo aqui há tempos:
«No dia em que morrer vai ser o mais
feliz da minha vida…»
Mas a natureza sabe o que faz e não é
por acaso que após a idade da procriação continuamos a poder viver o dobro dos
anos. É que as nossas crianças não só precisam dos pais como, igualmente,
precisam dos avós, mais disponíveis para os proteger e ensinar assegurando-lhes
uma oportunidade para chegarem a adultos que, sem eles, provavelmente não
teriam.
Mas querer estar vivo é uma coisa,
continuar a viver depois de morrer é outra…
Bertrand Russel, no seu ensaio de
1925 «What I Believe» escrevia:
«Acredito que quando morrer vou
apodrecer e nada do meu ego irá sobreviver. Não sou jovem e amo a vida mas
desdenharia tremer de medo ante a perspectiva da aniqui lação.
Apesar de tudo, a felicidade só é
verdadeiramente felicidade porque tem que ter um fim do mesmo modo que o
pensamento ou o amor não valem menos por não serem eternos.
Muitos foram aqueles que pisaram o
cadafalso com orgulho; esse mesmo orgulho deveria, por certo, ensinar-nos a
pensar, verdadeiramente, o lugar que o homem ocupa no mundo»
Para quem teme a morte, acreditar que
tem uma alma imortal pode ser consolador – a menos, evidentemente, que esteja
convencido que vai para o inferno ou para o purgatório.
As falsas crenças podem ser tão
consoladoras como as verdadeiras, até ao momento do desengano. Se um médico
mente ao doente dizendo-lhe que ele está curado o consolo é idêntico ao de
outro homem a quem seja dito, com verdade, que ele está curado.
A mentira do médico só é eficaz até
os sintomas se tornarem inequívocos mas um crente na vida depois da morte nunca
poderá, em última análise, ser desenganado.
As pessoas religiosas que dizem
acreditar na vida depois da morte se fossem realmente sinceras deveriam reagir
como o abade Ampleforth quando o cardeal Basil Hume lhe disse que estava a
morrer:
«Parabéns! Que bela notícia. Quem me
dera ir com Vossa Eminência».
Este abade era um verdadeiro crente
mas é exactamente porque esta história é tão rara e inesperada que prende a
atenção e quase diverte.
Por que razão todos os cristãos e
muçulmanos não dizem a mesma coisa ou algo parecido?
Quando um médico diz a uma mulher
devota que não lhe restam senão alguns meses de vida por que razão não sorri
ela, emocionada, como se tivesse ganho umas férias nas Seychelles?
Por que razão é que os amigos e
familiares, crentes como ela, não a sobrecarregam de mensagens para os que já
partiram?
«Dá saudades ao tio Alberto quando o
vires…».
Por que não falam assim as pessoas
religiosas na presença dos que estão à beira da morte?
Será que não acreditam em todas as
coisas em que era presumível acreditarem?
Ou talvez acreditem mas têm medo do
“processo” de morrer que pode ser doloroso e desagradável com a agravante de
que, ao contrário de todos os outros animais, não podem ir ao veterinário pedir
uma morte indolor.
E, neste caso, por que são as pessoas
religiosas as mais ferozes opositores à eutanásia e ao suicídio medicamente
assistido?
Não seria de esperar que as pessoas
mais religiosas fossem menos inclinadas a agarrarem-se despudoradamente à vida
seguindo o exemplo do abade Ampleforth?
A razão oficial é de que provocar a
morte é sempre pecado mas por quê considerar isso pecado se se acredita
sinceramente que, desse modo, está a acelerar uma ida para o céu?
Para quem acredita numa vida depois
da morte morrer é apenas a transição de uma vida para outra vida e, sendo
assim, se ela for dolorosa porquê prescindir da anestesia quando não se
prescinde dela para tirar o apêndice?
Daqueles que vêm na morte não uma
transição mas sim o fim é que se poderia, francamente, esperar resistência à
eutanásia e ao suicídio medicamente assistido, no entanto, são esses que são a
favor.
Uma enfermeira com longos anos de
trabalho à frente de um lar de idosos pôde verificar que as pessoas religiosas
eram as que mais medo tinham da morte.
Se este comportamento for comprovado
estatisticamente poder-se-á perguntar, afinal, qual o poder da religião como
reconforto na hora da morte?
No caso dos católicos será o medo do
purgatório, uma espécie de Ellis Island (um dos principais pontos de entrada
dos emigrante para os EUA) divino, uma antecâmara para onde vão as almas se os
seus pecados não são suficientemente graves para as lançarem logo no inferno
mas, por outro lado, precisam ainda de alguma reciclagem antes de poderem ser
admitidas no céu.
Na Idade Média a Igreja dava
indulgências a troco de dinheiro o que, na prática, significava menos dias de
purgatório antes de entrar no céu.
A Igreja Católica desenvolveu muitos
esquemas para arranjar dinheiro mas a venda das indulgências deverá figurar,
seguramente, entre os maiores contos-do-vigário de toda a História.
Em 1903 o Papa Pio X ainda tinha uma
tabela para calcular o número de dias de remissão do purgatório que cada membro
da hierarqui a tinha direito a
conceder:
- 200 dias os cardeais;
- 100 “ “ arcebispos;
- 50 “ “ bispos;
E, desta maneira, controlando as
auto-estradas de acesso a Deus, um Bispo na Idade Média poderia ficar
milionário como aconteceu com o de Winchester que fundou em 1379 o New College.
Quem fosse muito rico garantia para
sempre o futuro da sua alma até porque o pagamento poderia ser também em
orações que podiam ser rezadas por terceiras pessoas a favor das almas dos
ricos que, naturalmente, lhes pagavam para isso.
Mas o que é curioso e constitui a
chave de todo este negócio é, realmente, o «purgatório» que, no caso de não
existir e as almas irem todas directamente para o céu ou para o inferno, já não
se justificavam as rezas porque, ou eram desnecessárias, na eventualidade das
almas terem ido para o céu, ou as almas tinham ido para o inferno e já não
tinham salvação dispensando as rezas por idêntica razão.
No mínimo, engenhoso…mas a vida, a
nossa vida, é tão significativa, tão plena e maravilhosa que se basta a si
própria e dispensa bem todas estas manigâncias.
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