quinta-feira, novembro 20, 2014

Turco filho de uma égua. Logo hoje...
TOCAIA GRANDE
(Jorge Amado)

Episódio Nº 103




















Por trilhas e atalhos, caminhos e estradas do rio das Cobras a fama de riqueza do Turco Fadul corria à boca pequena: dinheiro escondido, anéis de brilhante, patacões de ouro.

Havia quem afirmasse ter espreitado libras esterlinas: cintilantes, encandeavam a vista. Jamais poderiam imaginar que no lenço e na sacola estavam capital e lucro, seu pé-de-meia, tudo quanto possuía afora a sobra do sortimento deixada no armazém.

Após ter atendido à freguesia da madrugada, pendurara bem visível na frente do negócio um aviso penosamente desenhado em letras maiúsculas na tampa de uma caixa de sapatos: fechado por ausência do dono.

Trancadas por dentro, com barras de madeira, as duas portas do armazém e, à chave, a da entrada dos fundos, de manhãzinha meteu o revólver na cintura e aproveitou a companhia de Zé Raimundo que tangia numeroso comboio procedente da Fazenda da Atalaia para entreter a caminhada até Taquaras, três léguas e meia no calcanho.

De visita a uma comadre que exercia na estação, uma tal Zelita, com eles ia também Coroca. Magrela, chocha, pesava quase nada. Zé Raimundo a escanchou entre dois sacos de cacau em cima da cangalha de Lua Cheia, mula forte e mansa, madrinha da tropa: guizos sonoros nos cabeçotes e no peitoral.

 Sobranceira, Coroca dava-se ares de mulher de capataz, de amásia de fazendeiro.

Fadul, bornal ao ombro, ria à toa na antecipação das regalias que o aguardavam em Itabuna. Somente no trem, ao querer descascar uma laranja, deu-se conta de que esquecera em Tocaia Grande o canivete de estimação.

2

Nos dois primeiros dias da ausência de Fadul, nada de mais
grave sucedera. Depois de descarregar os animais, tropeiros e ajudantes dirigiam-se ao “cacete armado do turco”. Assim diziam referindo-se à casa de negócio de Fadul, levantada em madeira, material barato, numa das pontas do renque de casebres de barro batido inicialmente conhecido por Caminho dos Burros, depois e durante vários anos por Rua da Frente.

Na ocasião, Tição Abduim ainda não morava em Tocaia Grande onde iria erguer logo a seguir a primeira casa de pedra e cal para nela instalar oficina de ferreiro; o armazém era a construção principal do arruado.

Tropeiros e ajudantes chegavam suados, cobertos de poeira e lama, sedentos, necessitados de um trago de cachaça para restaurar as forças, para combater o frio ou o calor conforme fosse.

 Deparavam-se com o aviso, se havia algum que soubesse ler e assinar o nome, soletrava a comunicação para os demais, caso contrário recebiam a notícia da boca das raparigas.

 Entre xingos e risadas discutiam a falseta do turco que os largava no ora-veja para ir abastecer o merca-tudo.

 - Turco filho de uma égua. Logo hoje...

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