Turco filho de uma égua. Logo hoje... |
TOCAIA GRANDE
(Jorge Amado)
Episódio Nº 103
Por trilhas e atalhos, caminhos e estradas do rio das Cobras a fama de riqueza do Turco Fadul corria à boca pequena: dinheiro escondido, anéis de brilhante, patacões de ouro.
Havia quem afirmasse ter espreitado
libras esterlinas: cintilantes, encandeavam a vista. Jamais poderiam imaginar
que no lenço e na sacola estavam capital e lucro, seu pé-de-meia, tudo quanto
possuía afora a sobra do sortimento deixada no armazém.
Após ter atendido à freguesia da
madrugada, pendurara bem visível na frente do negócio um aviso penosamente
desenhado em letras maiúsculas na tampa de uma caixa de sapatos: fechado por ausência
do dono.
Trancadas por dentro, com barras de
madeira, as duas portas do armazém e, à chave, a da entrada dos fundos, de manhãzinha
meteu o revólver na cintura e aproveitou a companhia de Zé Raimundo que tangia
numeroso comboio procedente da Fazenda da Atalaia para entreter a caminhada até
Taquaras, três léguas e meia no calcanho.
De visita a uma comadre que exercia na
estação, uma tal Zelita, com eles ia também Coroca. Magrela, chocha, pesava
quase nada. Zé Raimundo a escanchou entre dois sacos de cacau em cima da
cangalha de Lua Cheia, mula forte e mansa, madrinha da tropa: guizos sonoros
nos cabeçotes e no peitoral.
Sobranceira, Coroca dava-se ares de mulher de
capataz, de amásia de fazendeiro.
Fadul, bornal ao ombro, ria à toa na
antecipação das regalias que o aguardavam em Itabuna. Somente
no trem, ao querer descascar uma laranja, deu-se conta de que esquecera em Tocaia Grande o
canivete de estimação.
2
Nos dois primeiros dias da ausência de
Fadul, nada de mais
grave sucedera. Depois de descarregar os
animais, tropeiros e ajudantes dirigiam-se ao “cacete armado do turco”. Assim
diziam referindo-se à casa de negócio de Fadul, levantada em madeira, material
barato, numa das pontas do renque de casebres de barro batido inicialmente
conhecido por Caminho dos Burros, depois e durante vários anos por Rua da
Frente.
Na ocasião, Tição Abduim ainda não
morava em Tocaia Grande
onde iria erguer logo a seguir a primeira casa de pedra e cal para nela
instalar oficina de ferreiro; o armazém era a construção principal do arruado.
Tropeiros e ajudantes chegavam suados,
cobertos de poeira e lama, sedentos, necessitados de um trago de cachaça para
restaurar as forças, para combater o frio ou o calor conforme fosse.
Deparavam-se com o aviso, se havia algum que
soubesse ler e assinar o nome, soletrava a comunicação para os demais, caso
contrário recebiam a notícia da boca das raparigas.
Entre xingos e risadas discutiam a falseta do
turco que os largava no ora-veja para ir abastecer o merca-tudo.
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