terça-feira, dezembro 16, 2014

A noite inteirinha com ela? Ai,  benza Deus!
TOCAIA GRANDE
(Jorge Amado)

Episódio Nº 125




















Bernarda segurara o choro no fundo da garganta, tinha prática de trancar lágrimas e soluços na caixa do peito; riu melhor pois riu por último ao decifrar motivo e consequência.

Na ida mensal à Boa Vista o capitão Natário da Fonseca aparecia no meio da manhã; na volta para a Atalaia apeava da mula no meio da tarde.

 Ensejo breve e dividido: todos queriam vê-lo, trocar dois dedos de prosa, saber as novidades; entretinha-se um tempão no cavaco com Fadul.

De manhã ou de tarde, enquanto Bernarda e o Capitão se fartavam e refartavam na cama de campanha, Coroca passava um café adoçado com rapadura para servir bem quente durante os minutos de conversação que precediam o bota-fora.

 Ao chegar da Atalaia, Natário referia notícias da família, de Zilda e dos meninos: sua madrinha mandou a bênção e esse pedaço de pano que é pra tu fazer uma saia. No regresso da Boa Vista, não tinha outro assunto além das roças recém-plantadas.

 Discorria entusiasmado sobre o satisfatório crescimento das mudas, perspectivas optimistas: contente, Bernarda batia palmas. Se, ao contrário, ele especulava sobre as chuvas, cuja duração podia modificar as previsões afogando os brotos, Bernarda conjurava os maus augúrios, anunciava o sol.

 Não esquecia de mandar pedir a bênção à madrinha na hora da partida. Hora penosa, arrenegada: teria de arrastar um infindável mês para tê-lo de novo contra o peito, minguados segundos para o desmedido anseio.

Quando demoraria com ela uma noite inteira, das sombras do crepúsculo à alva do dia? Quando, Padrinho?

Pois não é que, numa daquelas distantes tardes de outrora, ao saborear o cafezinho de Coroca, o padrinho informara inesperadamente que daí a quinze dias regressando da festa de casamento de uma filha de Lourenço Batista, chefe da estação de Taquaras, pernoitaria em Tocaia Grande, viria esquentar a cama da afilhada?

A noite inteirinha com ela? Ai, benza Deus! Notícia mais apetecida e grata, custava acreditar fosse verdade.

 Acendida, sem caber em si, pediu que o padrinho repetisse o dia certo. Não havia como errar: passado o próximo domingo, o outro, menos de duas semanas. A noite inteira.

Não havia como errar, reafirmou Coroca depois que Natário esporeou a mula e ganhou a estrada. As páginas impressas em preto no bloco da folhinha indicavam os dias da semana, de segunda a sábado, mas o de domingo destacava-se em vermelho, para diferenciar o dia santo, dia de festa.

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