Dê o fora depressa, camarada. |
TOCAIA GRANDE
(Jorge Amado)
Episódio Nº 126
Ainda bem que existia o calendário de Gerino,
pois em Tocaia Grande
os dias transcorriam iguais, e festa havia unicamente quando Pedro Cigano
inventava um forrobodó em noite de muita concorrência de tropeiros e passantes.
O desinteresse de Bernarda pelo
calendário dependurado na parede do barracão converteu-se em
extremo cuidado: passou a ir quotidianamente, logo de manhã, constatar o
vagaroso decorrer do tempo. Viu aparecer e desaparecer a primeira página
vermelha no pequeno maço da folhinha, ficou à espera da segunda, de tal forma
impaciente e aflita a ponto de um dos cabras comentar:
-
A moleca viu passarinho verde. Vive num pé e noutro.
-
Bernarda não é certa da cabeça. - Assegurou Gerino recordando - a, irada e
insultuosa, na noite dos jagunços.
Como poderia ela adivinhar que o vistoso
calendário estava atrasado de três dias?
Contratada para a noite toda por um
alugado - dinheirinho suado no cabo do facão e da enxada, poupado vintém a
vintém na intenção de folgar sem pressa, à la godaça, com a falada Bernarda - estava
ela bem do seu na cama, embaixo do sujeito, a cabeça posta no padrinho, quando
percebeu leve ruído em frente à casa.
Prestou atenção: do lado de fora alguém tentava
abrir a tramela enfiando um punhal na fresta da porta.
Bernarda teve um sobressalto, moveu-se;
o fulano gemeu de prazer ao sentir o inesperado requebro, acelerou o ritmo da
metida: que mulher! Bem lhe haviam dito.
Bernarda soube em seguida e com certeza
absoluta: era o
padrinho, adiantara a data da viagem.
Quis levantar-se, não deu tempo. Na chama acanhada do candeeiro aceso na sala
viu a sombra desabar sobre a cama de campanha e o vulto postar-se à porta do
quarto ordenando sem elevar a voz — bastava a autoridade:
-
Dê o fora depressa, camarada.
No escuro, o alugado não reconheceu o
intruso. Mulato corpulento, habituado a fuzuês em casas de mulheres da vida, imaginou
que tinha a ver com um desses bêbados enxeridos,
muita farromba e pouca sustância.
Ainda em cima de Bernarda, falou grosso:
-
Dar o fora, por quê? Não se faça de besta!
-
Porque eu tou mandando.
-
E quem é você para mandar em mim? - Foi se levantando, disposto a dar uma lição
no insolente.
-
Sou o capitão Natário da Fonseca.
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