quarta-feira, dezembro 17, 2014

Dê o fora depressa, camarada.
TOCAIA GRANDE
(Jorge Amado)


Episódio Nº 126

















Ainda bem que existia o calendário de Gerino, pois em Tocaia Grande os dias transcorriam iguais, e festa havia unicamente quando Pedro Cigano inventava um forrobodó em noite de muita concorrência de tropeiros e passantes.

O desinteresse de Bernarda pelo calendário dependurado na parede do barracão converteu-se em extremo cuidado: passou a ir quotidianamente, logo de manhã, constatar o vagaroso decorrer do tempo. Viu aparecer e desaparecer a primeira página vermelha no pequeno maço da folhinha, ficou à espera da segunda, de tal forma impaciente e aflita a ponto de um dos cabras comentar:

 - A moleca viu passarinho verde. Vive num pé e noutro.

 - Bernarda não é certa da cabeça. - Assegurou Gerino recordando - a, irada e insultuosa, na noite dos jagunços.

Como poderia ela adivinhar que o vistoso calendário estava atrasado de três dias?

Contratada para a noite toda por um alugado - dinheirinho suado no cabo do facão e da enxada, poupado vintém a vintém na intenção de folgar sem pressa, à la godaça, com a falada Bernarda - estava ela bem do seu na cama, embaixo do sujeito, a cabeça posta no padrinho, quando percebeu leve ruído em frente à casa.

Prestou atenção: do lado de fora alguém tentava abrir a tramela enfiando um punhal na fresta da porta.

Bernarda teve um sobressalto, moveu-se; o fulano gemeu de prazer ao sentir o inesperado requebro, acelerou o ritmo da metida: que mulher! Bem lhe haviam dito.

Bernarda soube em seguida e com certeza absoluta: era o
padrinho, adiantara a data da viagem. Quis levantar-se, não deu tempo. Na chama acanhada do candeeiro aceso na sala viu a sombra desabar sobre a cama de campanha e o vulto postar-se à porta do quarto ordenando sem elevar a voz — bastava a autoridade:

 - Dê o fora depressa, camarada.

No escuro, o alugado não reconheceu o intruso. Mulato corpulento, habituado a fuzuês em casas de mulheres da vida, imaginou que tinha a ver com um desses bêbados enxeridos,
muita farromba e pouca sustância.

Ainda em cima de Bernarda, falou grosso:

 - Dar o fora, por quê? Não se faça de besta!

 - Porque eu tou mandando.

 - E quem é você para mandar em mim? - Foi se levantando, disposto a dar uma lição no insolente.

 - Sou o capitão Natário da Fonseca.

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