O inverno começara, chuva incessante... |
TOCAIA GRANDE
(Jorge Amado)
Episódio Nº 132
Devido ao mau estado dos caminhos - caminho
digno desse nome já não havia, trafegavam num arriscado e contínuo lamaçal - Lázaro
chegara noite velha, praguejando: no meio da jornada lenta Piaçava perdera uma
ferradura, passara a mancar aumentando o atraso.
Esteira de puta àquela hora nem a tapa. Madrugaram
na porta do ferreiro, pretendiam alcançar Taquaras antes da saída do trem.
Enquanto Cosme reforçava os nós nas
lonas colocadas sobre a carga para defendê-la da chuva fina e persistente,
Lázaro detinha-se a admirar a precisão e a destreza de Castor.
As cabeças e os ombros cobertos com sacos de
aniagem convertidos em capas e capuzes, pés descalços, calças arregaçadas, pai
e filho patinavam na lama, arrenegavam o céu encoberto, opaco e triste.
Não se tratava de nuvem repentina,
pé-d’água brusco e rápido, um daqueles aguaceiros de verão que não deixam
vestígios, não chegam a apagar o olho do sol.
O
inverno começara, chuva incessante, dias feios, noites frias, horizonte
cinzento, a lama e a morrinha.
Nos arruados e nos lugarejos, nos pontos
de pernoite, tropeiros e ajudantes buscavam o aconchego das raparigas; nas
bodegas e vendolas temperavam a garganta, esquentavam o peito com um trago de
cachaça.
Antes de ganhar a estrada, Lázaro e Cosme
matariam o bicho no cacete armado de Fadul. Na véspera, haviam chegado tarde
para as putas. Em matéria de mulher e em outras mais tinham gostos similares, é
natural; na estrada, calados, atentos aos barrancos e despenhadeiros, vinham
ambos na tenção de Bernarda.
O
devaneio aliviava a canseira, encolhia as léguas do estirão. Se não pudesse ser
Bernarda, tão cobiçada, outra qualquer remediava.
Bem calçado, Piaçava zurrou, escoiceou o
ar, juntou-se à tropa. Lázaro chalaceou ao efetuar a paga:
-
Tá contente, de borzeguim novo o fio da puta.
Cosme tangeu os burros, Castor desejou
boa travessia, entrou na oficina - mais tarde quando a chuva abrandasse iria
recolher a caça. Junto à forja, o cão levantou a cabeça, abanou o rabo.
O negro, pondo as mãos em concha em
torno à boca, gritou:
-
Lázaro! Olha o cachorro!
Lázaro suspendeu a marcha:
- Que cachorro?
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