sexta-feira, dezembro 26, 2014

O inverno começara, chuva incessante...
TOCAIA GRANDE
(Jorge Amado)


Episódio Nº 132



















Devido ao mau estado dos caminhos - caminho digno desse nome já não havia, trafegavam num arriscado e contínuo lamaçal - Lázaro chegara noite velha, praguejando: no meio da jornada lenta Piaçava perdera uma ferradura, passara a mancar aumentando o atraso.

Esteira de puta àquela hora nem a tapa. Madrugaram na porta do ferreiro, pretendiam alcançar Taquaras antes da saída do trem.

Enquanto Cosme reforçava os nós nas lonas colocadas sobre a carga para defendê-la da chuva fina e persistente, Lázaro detinha-se a admirar a precisão e a destreza de Castor.

 As cabeças e os ombros cobertos com sacos de aniagem convertidos em capas e capuzes, pés descalços, calças arregaçadas, pai e filho patinavam na lama, arrenegavam o céu encoberto, opaco e triste.

Não se tratava de nuvem repentina, pé-d’água brusco e rápido, um daqueles aguaceiros de verão que não deixam vestígios, não chegam a apagar o olho do sol.

 O inverno começara, chuva incessante, dias feios, noites frias, horizonte cinzento, a lama e a morrinha.

Nos arruados e nos lugarejos, nos pontos de pernoite, tropeiros e ajudantes buscavam o aconchego das raparigas; nas bodegas e vendolas temperavam a garganta, esquentavam o peito com um trago de cachaça.

 Antes de ganhar a estrada, Lázaro e Cosme matariam o bicho no cacete armado de Fadul. Na véspera, haviam chegado tarde para as putas. Em matéria de mulher e em outras mais tinham gostos similares, é natural; na estrada, calados, atentos aos barrancos e despenhadeiros, vinham ambos na tenção de Bernarda.

 O devaneio aliviava a canseira, encolhia as léguas do estirão. Se não pudesse ser Bernarda, tão cobiçada, outra qualquer remediava.

Bem calçado, Piaçava zurrou, escoiceou o ar, juntou-se à tropa. Lázaro chalaceou ao efetuar a paga:

 - Tá contente, de borzeguim novo o fio da puta.

Cosme tangeu os burros, Castor desejou boa travessia, entrou na oficina - mais tarde quando a chuva abrandasse iria recolher a caça. Junto à forja, o cão levantou a cabeça, abanou o rabo.

O negro, pondo as mãos em concha em torno à boca, gritou:

 - Lázaro! Olha o cachorro!

Lázaro suspendeu a marcha:

- Que cachorro?


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