terça-feira, dezembro 23, 2014

Nem tudo é dinheiro nesse mundo
TOCAIA GRANDE
(Jorge Amado)

Episódio Nº 131


















Trocaram dichotes, pilhérias, gargalhadas, uma diversão. Muito trabalho, pouca carne, suficiente todavia para que cada um tivesse seu quinhão.

Fadul verificou que para negócio não sobrava, ainda assim pagava a pena: nem tudo é dinheiro nesse mundo.

O sol forte colaborou para o êxito da experiência; durante aqueles dias afanosos não choveu. Quando Dalila, do alto de seus tamancos e de sua competência, anunciou que a carne-de-sol estava no ponto de ir para o fogo e ser comida, improvisaram um verdadeiro festim.

 Numa panela de barro Bernarda e Coroca cozinharam parte da carne no feijão, Zuleica torrou farinha na graxa da fritura, Cotinha fez doce de jaca -  e ninguém dava nada por Cotinha!

Arrecadaram alguns tostões para comprar a Fadul uma garrafa de cachaça, o próprio vendedor contribuiu reduzindo o preço. Terminou em cantoria.

Assim nasceu a idéia do almoço dominical. Animado como ele só, Tição foi o autor da proposta que mereceu caloroso aplausos dos comensais: um almoço que os reunisse uma vez por semana para encher o bandulho, conversar e rir.

 De começo uns poucos, logo os demais foram aderindo. No toldo em meio ao descampado, aos domingos, aglomerava- se a vasqueira população na hora do sol a pino.

Tição e Fadu, Gerino e os cabras do barracão, Guido e Bastião da Rosa, Balbino e Lupiscínio, Coroca e Bernarda, Zé Luiz e Merência, Zuleica e Dalila, a doceira Cotinha.

Fornecendo mantimentos ou trabalhando, quase todos concorriam para o rega-bofe, todos dele participavam.

Quando presente, Pedro Cigano entrava com a música, além de cantoria havia dança.

Merência dava graças ao Senhor pelo dia santo, Fadul acompanhava a prece murmurando em árabe, as putas diziam amém. Tropeiros retardavam a partida dos comboios para comer e beber em companhia.




A PEDIDO DE EPIFÂNIA, O NEGRO CASTOR ABDUIM ORGANIZA A FESTA DE SÃO JOÃO

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Certa manhã cedinho, o negro Castor Abduim estava ferrando o burro Piaçava quando, ao desviar os olhos para interior da oficina, reparou no cachorro estendido ao pé da forja.

Imaginou que o vira-lata pertencesse a Lázaro, veterano dos atalhos de Tocaia Grande, ou a Cosme, filho e ajudante, moleque metido a sebo.

Seria aquisição recente, pois não se lembrava de tê-lo visto nos rastros do comboio. Encharcado, aproveitava o calor do fogo antes de retomar a caminhada. Tição não lhe invejava a sorte: tempo de esconjuro.


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