Nem tudo é dinheiro nesse mundo |
TOCAIA GRANDE
(Jorge Amado)
Episódio Nº 131
Trocaram dichotes, pilhérias, gargalhadas,
uma diversão. Muito trabalho, pouca carne, suficiente todavia para que cada um
tivesse seu qui nhão.
Fadul verificou que para negócio não
sobrava, ainda assim pagava a pena: nem tudo é dinheiro nesse mundo.
O sol forte colaborou para o êxito da
experiência; durante aqueles dias afanosos não choveu. Quando
Dalila, do alto de seus tamancos e de sua competência, anunciou que a
carne-de-sol estava no ponto de ir para o fogo e ser comida, improvisaram um verdadeiro
festim.
Numa panela de barro Bernarda e Coroca
cozinharam parte da carne no feijão, Zuleica torrou
farinha na graxa da fritura, Cotinha fez doce de jaca - e ninguém dava nada por Cotinha!
Arrecadaram alguns tostões para comprar
a Fadul uma garrafa de cachaça, o próprio vendedor contribuiu reduzindo o
preço. Terminou em cantoria.
Assim nasceu a idéia do almoço
dominical. Animado como ele só, Tição foi o autor da proposta que mereceu
caloroso aplausos dos comensais: um almoço que os reunisse uma vez por semana para
encher o bandulho, conversar e rir.
De começo uns poucos, logo os demais foram
aderindo. No toldo em meio ao descampado, aos domingos, aglomerava- se a
vasqueira população na hora do sol a pino.
Tição e Fadu, Gerino e os cabras do
barracão, Guido e Bastião da Rosa, Balbino e Lupiscínio, Coroca e Bernarda, Zé
Luiz e Merência, Zuleica e Dalila, a doceira Cotinha.
Fornecendo mantimentos ou trabalhando, quase
todos concorriam para o rega-bofe, todos dele participavam.
Quando presente, Pedro Cigano entrava
com a música, além de cantoria havia dança.
Merência dava graças ao Senhor pelo dia
santo, Fadul acompanhava a prece murmurando em árabe, as putas diziam amém.
Tropeiros retardavam a partida dos comboios para comer e beber em companhia.
A PEDIDO
DE EPIFÂNIA, O NEGRO CASTOR ABDUIM ORGANIZA A FESTA DE SÃO JOÃO
1
Certa manhã cedinho, o negro Castor
Abduim estava ferrando o burro Piaçava quando, ao desviar os olhos para
interior da oficina, reparou no cachorro estendido ao pé da forja.
Imaginou que o vira-lata pertencesse a Lázaro, veterano dos
atalhos de Tocaia Grande, ou a Cosme, filho e ajudante, moleque metido a sebo.
Seria aqui sição
recente, pois não se lembrava de tê-lo visto nos rastros do comboio.
Encharcado, aproveitava o calor do fogo antes de retomar a caminhada. Tição não
lhe invejava a sorte: tempo de esconjuro.
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