Na minha juventude
estudei num Colégio Interno na cidade de Tomar que tinha um sector para o
masculino e outro para o feminino funcionando em edifícios distintos.
O dos rapazes era um edifício novo mandado fazer de propósito dado a grande quantidade de alunos, numa zona de expansão da cidade, enquanto as raparigas , em número muito menor, como era de esperar nos anos 50, ocupavam uma moradia antiga mais para o centro, próximo do rio Nabão, ex-libris da cidade.
A separação estava assim, naturalmente, assegurada.
Aos Domingos, a missa era a horários
desencontrados para rapazes e raparigas evitando encontros, quer na Igreja ou nos trajectos de acesso, mas havia um dia por ano, o da Festa do Colégio,
em que os alunos de ambos os sexos se viam… de longe, é certo, e sempre debaixo de
apertada vigilância:
- Era no jogo de futebol com a Escola
Industrial, rivalidades antigas, que tinha lugar no Estádio do Uniã0 de Tomar.
As raparigas ocupavam um sector diferente do Estádio, uma claque à parte, como hoje se usa, por causa das rivalidades violentas.
- Nesse mesmo dia, e como final da
celebração do Dia do Colégio, mas já entrando pela noite, nas instalações do
Cine-Teatro, havia numa espécie de espectáculo de variedades em que os alunos
iam ao palco apresentarem as suas habilidades cantando, dançando ou representando.
Num desses números de dança, uma das
minhas colegas não vestiu por baixo o saiote próprio para as danças de rodopio
e como os lugares da plateia estavam num plano ligeiramente mais baixo que o
palco, quando girou, as saias rodaram e subiram e só não lhe vi a cor da roupa
que trazia por baixo porque, naquela fracção de segundo, fechei os olhos…
Surpreendi-me a mim próprio com
aquele cerrar de olhos e não contei a ninguém para me furtar às críticas
óbvias que me seriam feitas: … então, pá, tens à tua disposição o espectáculo
mais desejado e zás…fechas os olhos ???!!!
Tenho tido muitos anos, bem mais de
meio século, para pensar no por quê daquela reacção instintiva tanto mais que
estou certo, se estivesse avisado para o que iria acontecer, provavelmente não
resistiria à curiosidade.
Não sei… talvez pudor, vergonha, surpresa. Ela não queria mostrar-me nada e o meu instinto recusou-se a ver aqui lo
que não fazia parte do espectáculo, que era do foro íntimo, da sua privacidade. Uma pureza de honestidade... seria?
Há uma qualquer semelhança entre esta
inocente e já longínqua história e as escutas telefónicas e que tem a ver com uma noção de privacidade que faz parte do respeito pelos outros, uma questão de ética do comportamento, de civilização, podemos mesmo dizer.
Na época em que eu estudava no Colégio de Tomar ainda não havia escutas telefónicas, muito longe disso, escutava-se com o ouvido encostado às portas e o olho no buraco da fechadura ou espreitava-se atrás da cortina da janela para se "dar fé", como então se dizia, das entradas e saídas da casa da vizinha em frente da nossa, outros tempos...
Duas pessoas falam
em particular sobre as suas vidas privadas e essa conversa, tal como a roupa
debaixo da menina minha colega na dança do rodopio, uma vez escutada e registada, fica à mercê de quem a
queira ler ou ouvir sem ter direito a tal, infringindo normas éticas e morais,
as mesmas que instintivamente me levaram a fechar os olhos para não ver as
cuecas da minha colega.
Será assim? - Não tenho dúvidas
de que é.
Mas se o assunto das conversas, que embora sendo privadas, são do interesse público porque têm a ver com a nossa segurança, individual ou colectiva pondo em causa direitos consagrados
na nossa sociedade como a segurança, a liberdade, o estado de direito?
- As escutas
telefónicas, as máqui nas de filmar
ou de captação de sons, ocultas ou não, são hoje meios legais postos à
disposição das polícias para o combate ao crime organizado e altamente
sofisticado e de acordo com a opinião
O Estado tem a obrigação de defender
os cidadãos contra toda a espécie de crimes e a utilização desses meios de
escuta nos termos previstos na lei é muito importante, necessário,
indispensável como uma das formas de investigação.
Ficaram célebres as escutas a Pinto da Costa, Presidente do F.C.Porto e as de José Sócrates, umas não autorizadas e outras que não eram dirigidas à pessoa do 1º Ministro mas à pessoa com quem ele falou.
As escutas telefónicas, as má
Aqui chegados, concluímos que as escutas do meu tempo
de rapaz sofreram uma grande evolução como tudo afinal. Deixaram o domínio da
coscuvilhice e passaram a ser um instrumento essencial para a nossa defesa e
segurança. Quem havia então de dizer que a privacidade que me era, instintivamente, tão cara viria a dar no que deu.
Pena é que tudo não fique apenas no domínio das autoridades
judicias e caia na voragem da curiosidade pública das notícias de sensação.
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