sexta-feira, janeiro 02, 2015

AS ESCUTAS…












Na minha juventude estudei num Colégio Interno na cidade de Tomar que tinha um sector para o masculino e outro para o feminino funcionando em edifícios distintos.

O dos rapazes era um edifício novo mandado fazer de propósito dado a grande quantidade de alunos, numa zona de expansão da cidade, enquanto as raparigas , em número muito menor, como era de esperar nos anos 50, ocupavam uma moradia antiga mais para o centro, próximo do rio Nabão, ex-libris da cidade.

A separação estava assim, naturalmente, assegurada.


Aos Domingos, a missa era a horários desencontrados para rapazes e raparigas evitando encontros, quer na Igreja ou nos trajectos de acesso, mas havia um dia por ano, o da Festa do Colégio, em que os alunos de ambos os sexos se viam… de longe, é certo, e sempre debaixo de apertada vigilância:


- Era no jogo de futebol com a Escola Industrial, rivalidades antigas, que tinha lugar no Estádio do Uniã0 de Tomar. As raparigas ocupavam um sector diferente do Estádio, uma claque à parte, como hoje se usa, por causa das rivalidades violentas.

- Nesse mesmo dia, e como final da celebração do Dia do Colégio, mas já entrando pela noite, nas instalações do Cine-Teatro, havia numa espécie de espectáculo de variedades em que os alunos iam ao palco apresentarem as suas habilidades cantando, dançando ou representando.

Num desses números de dança, uma das minhas colegas não vestiu por baixo o saiote próprio para as danças de rodopio e como os lugares da plateia estavam num plano ligeiramente mais baixo que o palco, quando girou, as saias rodaram e subiram e só não lhe vi a cor da roupa que trazia por baixo porque, naquela fracção de segundo, fechei os olhos…

Surpreendi-me a mim próprio com aquele cerrar de olhos e não contei a ninguém para me furtar às críticas óbvias que me seriam feitas: … então, pá, tens à tua disposição o espectáculo mais desejado e zás…fechas os olhos ???!!!

Tenho tido muitos anos, bem mais de meio século, para pensar no por quê daquela reacção instintiva tanto mais que estou certo, se estivesse avisado para o que iria acontecer, provavelmente não resistiria à curiosidade.

Não sei… talvez pudor, vergonha, surpresa. Ela não queria mostrar-me nada e o meu instinto recusou-se a ver aquilo que não fazia parte do espectáculo, que era do foro íntimo, da sua privacidade. Uma pureza de honestidade... seria? 



Há uma qualquer semelhança entre esta inocente e já longínqua história e as escutas telefónicas e que tem a ver com uma noção de privacidade que faz parte do respeito pelos outros, uma questão de ética do comportamento, de civilização, podemos mesmo dizer.


Na época em que eu estudava no Colégio de Tomar ainda não havia escutas telefónicas, muito longe disso, escutava-se com o ouvido encostado às portas e o olho no buraco da fechadura ou espreitava-se atrás da cortina da janela para se "dar fé", como então se dizia, das entradas e saídas da casa da vizinha em frente da nossa, outros tempos...

Duas pessoas falam em particular sobre as suas vidas privadas e essa conversa, tal como a roupa debaixo da menina minha colega na dança do rodopio, uma vez escutada e registada, fica à mercê de quem a queira ler ou ouvir sem ter direito a tal, infringindo normas éticas e morais, as mesmas que instintivamente me levaram a fechar os olhos para não ver as cuecas da minha colega.

Será assim? - Não tenho dúvidas de que é.

Mas se o assunto das conversas, que embora sendo privadas, são do interesse público porque têm a ver com a nossa segurança, individual ou colectiva pondo em causa direitos consagrados na nossa sociedade como a segurança, a liberdade, o estado de direito?
- As escutas telefónicas, as máquinas de filmar ou de captação de sons, ocultas ou não, são hoje meios legais postos à disposição das polícias para o combate ao crime organizado e altamente sofisticado e de acordo com a opinião



O Estado tem a obrigação de defender os cidadãos contra toda a espécie de crimes e a utilização desses meios de escuta nos termos previstos na lei é muito importante, necessário, indispensável como uma das formas de investigação.

Ficaram célebres as escutas a Pinto da Costa, Presidente do F.C.Porto e as de José Sócrates, umas não autorizadas e outras que não eram dirigidas à pessoa do 1º Ministro mas à pessoa com quem ele falou.

Estas escutas, mesmo quando são sobre assuntos de índole ilícito ou criminal, fazem parte de processos de investigação, dirigem-se aos ouvidos de polícias e juízes, por eles autorizadas, e são peças de processos judiciais, mas muitas delas acabam por ser divulgadas nos jornais e no YouTub  ao sabor da curiosidade alheia.

As escutas telefónicas, as máquinas de filmar ou de captação de sons, ocultas ou não, são hoje meios legais postos à disposição das polícias de todo o mundo para o combate ao crime organizado e altamente sofisticado muito do qual passaria impune sem esses meios de investigação, devidamente autorizados por um juiz , de acordo com a opinião abalizada da DrªMaria José Morgado, Directora do DIAP de Lisboa.

Aqui chegados, concluímos que as escutas do meu tempo de rapaz sofreram uma grande evolução como tudo afinal. Deixaram o domínio da coscuvilhice e passaram a ser um instrumento essencial para a nossa defesa e segurança. Quem havia então de dizer que a privacidade que me era, instintivamente, tão cara viria a dar no que deu.

 Pena é que tudo não fique apenas no domínio das autoridades judicias e caia na voragem da curiosidade pública das notícias de sensação. 

Site Meter