Ele, Pedro Cigano, colocava-se às ordens. |
TOCAIA GRANDE
(Jorge Amado)
Episódio Nº 149
Devido a razões de sobejo conhecidas,
não se pode esquecer a ajuda do capitão Natário da Fonseca. Lastimando não poder
participar da festa, alargou os cordões da bolsa: contribuiu em seu nome e nos
de Bernarda e de Coroca.
Nem por isso as duas raparigas - e quase todas as demais deixaram de colaborar com alguma moeda ganha com o
xibiu, escondida nas profundas da penúria, oferecida com satisfação.
O milho e o coco, o açúcar e o sal
tinham sido distribuídos entre as mulheres; os jenipapos sobravam encarqui lhados sob as árvores. Cada pessoa se encarregava
dessa ou daquela tarefa, em geral de mais de uma.
Para executá-las juntavam-se em grupo animados:
conversavam, caçoavam, discutiam, reclamavam, riam, emborcavam uma lapada de
cachaça para matar o bicho - os bichos ruins do inverno: a chuva aborrecida, o
frio cortante - não eram de ferro.
Não havia obrigação nem horário de
trabalho. Nem feitor nem capataz, nenhum patrão. Se Fadul e Tição orientavam e
dirigiam, faziam-no discretamente sem dar mostras e também eles pegavam no
pesado.
Ninguém mandava em ninguém. Assim
vinha acontecendo desde que, no almoço dominical, Castor propusera festejarem o
São João.
Encontrando vago o posto de comando,
Pedro Cigano o ocupou e seus alvitres tiveram a ver com a ampliação da festa; apontando
uma deficiência, corrigindo uma injustiça. Brincar o São João, feliz ideia. Mas
por que discriminar os outros santos de Junho, se eram os três iguais na
devoção e nos prodígios?
Por que não começar festejando Santo Antônio,
santo casamenteiro, patrono das noivas, e terminar louvando São Pedro,
padroeiro das viúvas?
O
fato de não haver ainda em
Tocaia Grande donzela candidata ao matrimónio nem viúva
lacrimosa nada significava: um dia, com a graça de Deus, sobrariam umas e
outras a dar com os pés.
Ele, Pedro Cigano, colocava-se às ordens com a
sanfona para animar de graça um dançarás na noite de Santo António.
Acenderiam uma pequena fogueira,
provariam um pedaço de canjica, um trago de licor de jenipapo, dançariam o coco
miudinho, a polca e a mazurca, num ensaio preparatório da grande noite, a da
véspera de São João. Para ela guardariam os fogos e a quadrilha.
Não foi difícil convencer a povo.
Naquele solitário e carente fim de mundo nada despertava mais entusiasmo do que
um forró, um bate-coxas.
Acontecia de raro em raro, quando Pedro Cigano
se bandeava por ali ou quando um sanfoneiro, um tocador de violão ou de cavaqui nho pernoitava por acaso em Tocaia Grande.
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