Não arremeda um colhão? |
TOCAIA
GRANDE
(Jorge Amado)
Episódio Nº
137
4
Derretida em riso na porta da oficina,
Epifânia sustentava nas duas mãos a pedra grande e pesada:
-
Encontrei no rio, achei bonita, trouxe pra tu.
Mulher madura e calejada, corpo e
coração curtidos, tinha artes de menina, influída de graça e fantasia. Um
seixo, um fruto, uma flor, um assustado calango verde: um presente a cada dia,
além dela própria a qualquer hora, dádiva principal.
Negro, redondo e liso, o calhau rolou no chão;
a risada marota cresceu nos lábios carnudos da rapariga:
-
Não arremeda um colhão?
Parecer, parecia: um colhãozão enorme e
preto, o de Oxalá, outro não podia ser. Tição riu com a desavergonhada; a
arrogância a fazia agressiva e insolente; tirante, porém, esses ipicilones, era
querida e cativante.
-
O colhão de Oxalá! Vou botar no peji. Os orixás viviam no peji, deuses
poderosos e paupérrimos. Para que ela o entregasse a Oxum em oferenda, Castor
trabalhou no fogo e no martelo um abebê de latão com um pequeno espelho cravejado
ao centro; o flandres alumiava como se fosse ouro, resplandecia: uma opulência.
Colocado no peji para uso e desfrute da mãe
das águas mansas, de lá Epifânia o retirava para com ele se abanar e nele se
mirar. Qual das duas a mais vaidosa? Oxum ou sua filha?
Epifânia possuía um colar amarelo de
contas africanas, seu
maior tesouro, e um jogo de conchas
mágicas com o qual podia adivinhar. Algumas raparigas tinham-lhe medo,
guardavam distância; assustadas, diziam-na feiticeira.
Dera com os costados em Tocaia Grande durante
a entressafra, cruzando caminhos fáceis e seguros, o sol do verão no comando da
vida e das criaturas. A pobreza do arruado se dissolvia na paisagem
incomparável, na formosura do lugar.
Não havendo cacau a transportar, o movimento
de tropas e tropeiros decrescia na entressafra. Um bicho-carpinteiro no cu, as
raparigas não esquentavam pouso, tocavam-se para praças populosas de freguesia
estável.
Enfrentando concorrentes poucas e mixes, Epifânia
reinou quase absoluta na Baixa dos Sapos e na oficina de Castor Abduim.
Na estação do calor não houve esteira
mais requi sitada, mulher-dama mais
em moda - à exceção de Bernarda.
Mas Bernarda não contava: bezerra nova,
exercia em cama de campanha, habitava casa de madeira e se fazia de rogada, desdenhosa.
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