sexta-feira, janeiro 02, 2015

Não arremeda um colhão?
TOCAIA GRANDE
(Jorge Amado)

Episódio Nº 137

















4


Derretida em riso na porta da oficina, Epifânia sustentava nas duas mãos a pedra grande e pesada:

 - Encontrei no rio, achei bonita, trouxe pra tu.

Mulher madura e calejada, corpo e coração curtidos, tinha artes de menina, influída de graça e fantasia. Um seixo, um fruto, uma flor, um assustado calango verde: um presente a cada dia, além dela própria a qualquer hora, dádiva principal.

 Negro, redondo e liso, o calhau rolou no chão; a risada marota cresceu nos lábios carnudos da rapariga:

 - Não arremeda um colhão?

Parecer, parecia: um colhãozão enorme e preto, o de Oxalá, outro não podia ser. Tição riu com a desavergonhada; a arrogância a fazia agressiva e insolente; tirante, porém, esses ipicilones, era querida e cativante.

 - O colhão de Oxalá! Vou botar no peji. Os orixás viviam no peji, deuses poderosos e paupérrimos. Para que ela o entregasse a Oxum em oferenda, Castor trabalhou no fogo e no martelo um abebê de latão com um pequeno espelho cravejado ao centro; o flandres alumiava como se fosse ouro, resplandecia: uma opulência.

 Colocado no peji para uso e desfrute da mãe das águas mansas, de lá Epifânia o retirava para com ele se abanar e nele se mirar. Qual das duas a mais vaidosa? Oxum ou sua filha?

Epifânia possuía um colar amarelo de contas africanas, seu
maior tesouro, e um jogo de conchas mágicas com o qual podia adivinhar. Algumas raparigas tinham-lhe medo, guardavam distância; assustadas, diziam-na feiticeira.

Dera com os costados em Tocaia Grande durante a entressafra, cruzando caminhos fáceis e seguros, o sol do verão no comando da vida e das criaturas. A pobreza do arruado se dissolvia na paisagem incomparável, na formosura do lugar.

 Não havendo cacau a transportar, o movimento de tropas e tropeiros decrescia na entressafra. Um bicho-carpinteiro no cu, as raparigas não esquentavam pouso, tocavam-se para praças populosas de freguesia estável.

 Enfrentando concorrentes poucas e mixes, Epifânia reinou quase absoluta na Baixa dos Sapos e na oficina de Castor Abduim.

Na estação do calor não houve esteira mais requisitada, mulher-dama mais em moda -  à exceção de Bernarda.

Mas Bernarda não contava: bezerra nova, exercia em cama de campanha, habitava casa de madeira e se fazia de rogada, desdenhosa.

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