quinta-feira, janeiro 08, 2015

O resto as putas resolviam
TOCAIA GRANDE
(Jorge Amado)

Episódio Nº 142


















O frio castigava as criaturas, a chuva desfazia os caminhos mas, do meio da tarde ao meio da noite, Tocaia Grande vivia horas intensas, circulavam dinheiro e emoções.

Na forja acesa, à luz do dia ou à luz das lamparinas, o negro Castor Abduim, o dorso nu, examinava ferraduras, calçava burros, reajustava arreios, amolava facões, media o gume dos punhais e os afiava, recondicionava armas de fogo.

 Sempre às ordens para dar um jeito nos apuros dos tropeiros que viam na forja de Tição e no armazém de seu Fadul sucursais terrenas da divina providência. O restante as putas resolviam.

A perene lufa-lufa do inverno parecia-lhe bem pouca coisa tendo em vista a pretensão que o fizera levantar ali uma oficina destinada a muito mais.

 Ferrar burros, ótimo!, proporcionava-lhe o necessário para viver, mas era com o rústico fabrico de panelas, baldes e chaleiras, de facas e punhais que vinha conseguindo pagar o empréstimo tomado ao coronel Robustiano de Araújo.

O fazendeiro, todas as vezes que o negro lhe aparecia na intenção de amortizar a dívida, repetia a mesma simpática lengalenga, não estava cobrando, fossem os demais dispostos e honestos como o ferreiro e tudo correria melhor nas divisas do rio das Cobras.

Tição não se afobava: sabia não ser chegado ainda o momento de realmente ganhar dinheiro gordo com a oficina. Mas sabia também que estava prestes a acontecer.

 Da Fazenda Santa Mariana, nas nascentes do rio, até aquela sobra de mata em torno de Tocaia Grande, estendia-se um ilimitado território de roças novas, plantadas recentemente, nos anos que se seguiram à sanguinolenta conquista, às tocaias e aos caxixes.

 Esses cacauais não tardariam a florir e a dar frutos. Aí, então, não haveria medida capaz de aferir o ganho e a ganância.

Tocaia Grande já não dependeria de tropas e tropeiros. 

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