O resto as putas resolviam |
TOCAIA GRANDE
(Jorge Amado)
Episódio Nº 142
O frio castigava as criaturas, a chuva
desfazia os caminhos mas, do meio da tarde ao meio da noite, Tocaia Grande
vivia horas intensas, circulavam dinheiro e emoções.
Na forja acesa, à luz do dia ou à luz
das lamparinas, o negro Castor Abduim, o dorso nu, examinava
ferraduras, calçava burros, reajustava arreios, amolava facões, media o gume
dos punhais e os afiava, recondicionava armas de fogo.
Sempre às ordens para dar um jeito nos apuros
dos tropeiros que viam na forja de Tição e no armazém de seu Fadul sucursais
terrenas da divina providência. O restante as putas resolviam.
A perene lufa-lufa do inverno
parecia-lhe bem pouca coisa tendo em vista a pretensão que o fizera levantar
ali uma oficina destinada a muito mais.
Ferrar burros, ótimo!, proporcionava-lhe o
necessário para viver, mas era com o rústico fabrico de panelas, baldes e
chaleiras, de facas e punhais que vinha conseguindo pagar o empréstimo tomado
ao coronel Robustiano de Araújo.
O fazendeiro, todas as vezes que o negro
lhe aparecia na intenção de amortizar a dívida, repetia a mesma simpática
lengalenga, não estava cobrando, fossem os demais dispostos e honestos como o
ferreiro e tudo correria melhor nas divisas do rio das Cobras.
Tição não se afobava: sabia não ser
chegado ainda o momento de realmente ganhar dinheiro gordo com a oficina. Mas
sabia também que estava prestes a acontecer.
Da Fazenda Santa Mariana, nas nascentes do
rio, até aquela sobra de mata em torno de Tocaia Grande, estendia-se um
ilimitado território de roças novas, plantadas recentemente, nos anos que se
seguiram à sanguinolenta conqui sta,
às tocaias e aos caxixes.
Esses
cacauais não tardariam a florir e a dar frutos. Aí, então, não haveria medida
capaz de aferir o ganho e a ganância.
Tocaia Grande já não dependeria de
tropas e tropeiros.
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