Ocê foi freira no convento? |
TOCAIA GRANDE
(Jorge Amado)
Episódio Nº 141
Epifânia estivera a ponto de perder a
cabeça com Dalila, uma fedorenta que não se dava ao respeito. Enquanto o verão
durou luminoso e leve ela riu de tudo e tudo desculpou.
Mas
veio o inverno, escuro, frio e triste. O movimento cresceu, é bem verdade, o
dinheiro corria farto mas ainda assim, tomava-se difícil suportar a lama e a
morrinha, quanto mais a altanaria de Castor Abduim, ferrador de burros,
garanhão impenitente, negro fingido e enganador.
Quando a enfezada Cotinha dispensou novo
ebó - não aguento homem que apanha de mulher!
- e resolveu passar em terra mais adiantada as festas de Junho, as de
Santo Antônio, de São João e de São Pedro, três santos de
sua devoção, Epifânia não vacilou:
-
Vou junto com tu.
- Cansou de Tição?
Ia dizer que sim, se arrependeu:
-
Quem cansou foi ele. Refletiu mirando a chuva: - Se gostou de mim, nunca me
disse.
Como se sabe, não cumpriu o trato, não
seguiu viagem. Mas tampouco Cotinha mudou de praça, também ela arrepiou
caminho.
Ao ouvir falar na festa de São João que
o negro estava preparando mais que depressa foi se oferecer para fabricar o
indispensável licor de jenipapo: os frutos tombavam das árvores, apodreciam no
chão.
-
E ocê sabe fazer?
Aprendera com as freiras na cozinha do
convento, em São
Cristóvão, cidade sergipana onde
nascera.
-
Ocê foi freira no convento? - Admirou-se Castor.
-
Quisera ser, não alcancei. — Uma ponta de saudade na voz cantada. - Trabalhava
de criada em troca da comida e pra servir a Deus. Depois frei Nuno, um frade
português que vinha todo dia rezar missa, me passou nos peitos atrás do sino
grande.
-
Recordou com nostalgia: - Um pé de macho, benza Deus!
Eu mal chegava no umbigo dele. Suspendia
a batina, arregaçava minha saia e tome lenha.
Suspirou à menção daquela época
bem-aventurada quando levava vida de abadessa: vinho de missa e rola benta:
-
Mas as irmãzinhas descobriram, me mandaram embora.
A lama e a morrinha. O inverno durava
dos fins de Abril aos começos de Outubro, atravessava o temporão inteiro e
parte da safra, os meses de maior movimento, quando a animação atingia o auge.
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