quarta-feira, janeiro 07, 2015

Ocê foi freira no convento?
TOCAIA GRANDE
(Jorge Amado)

Episódio Nº 141



















Epifânia estivera a ponto de perder a cabeça com Dalila, uma fedorenta que não se dava ao respeito. Enquanto o verão durou luminoso e leve ela riu de tudo e tudo desculpou.

 Mas veio o inverno, escuro, frio e triste. O movimento cresceu, é bem verdade, o dinheiro corria farto mas ainda assim, tomava-se difícil suportar a lama e a morrinha, quanto mais a altanaria de Castor Abduim, ferrador de burros, garanhão impenitente, negro fingido e enganador.

Quando a enfezada Cotinha dispensou novo ebó - não aguento homem que apanha de mulher!  - e resolveu passar em terra mais adiantada as festas de Junho, as de Santo Antônio, de São João e de São Pedro, três santos de sua devoção, Epifânia não vacilou:

 - Vou junto com tu.

- Cansou de Tição?

Ia dizer que sim, se arrependeu:

 - Quem cansou foi ele. Refletiu mirando a chuva: - Se gostou de mim, nunca me disse.

Como se sabe, não cumpriu o trato, não seguiu viagem. Mas tampouco Cotinha mudou de praça, também ela arrepiou caminho.

Ao ouvir falar na festa de São João que o negro estava preparando mais que depressa foi se oferecer para fabricar o indispensável licor de jenipapo: os frutos tombavam das árvores, apodreciam no chão.

 - E ocê sabe fazer?

Aprendera com as freiras na cozinha do convento, em São
Cristóvão, cidade sergipana onde nascera.

 - Ocê foi freira no convento? - Admirou-se Castor.

 - Quisera ser, não alcancei. — Uma ponta de saudade na voz cantada. - Trabalhava de criada em troca da comida e pra servir a Deus. Depois frei Nuno, um frade português que vinha todo dia rezar missa, me passou nos peitos atrás do sino grande.

 - Recordou com nostalgia: - Um pé de macho, benza Deus!

Eu mal chegava no umbigo dele. Suspendia a batina, arregaçava minha saia e tome lenha.

Suspirou à menção daquela época bem-aventurada quando levava vida de abadessa: vinho de missa e rola benta:

 - Mas as irmãzinhas descobriram, me mandaram embora.


A lama e a morrinha. O inverno durava dos fins de Abril aos começos de Outubro, atravessava o temporão inteiro e parte da safra, os meses de maior movimento, quando a animação atingia o auge.

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