terça-feira, março 17, 2015

Morada e tanto, sim senhor.
TOCAIA GRANDE
(Jorge Amado)




Episódio Nº 199















Parado em frente às portas do armazém, o Coronel estudou os arredores. Do outro lado do rio cresciam os roçados a perder de vista.

- Milharal mais bonito! Sergipanos?

Natário informou:

- A maioria. Mas também tem gente do sertão.

- Outro dia chegou uma família, veio das bandas de Buquim.

- Contou o turco: - Seis pessoas.

- De Buquim? Eu sou de perto, sou de Estância: lugar bom pra se esperar a morte. Há quantos anos não ia à cidade onde nascera e começara a trabalhar? Desde o falecimento do pai, o velho José Andrade, cidadão que não levava desaforo para casa e tocava trombone na Lira Estânciana:

- Gente de Estância é gente boa, ordeira e trabalhadora. Não é como o povo mais do norte, da beira do São Francisco.

 - Provocava Natário, divertindo-se:

- Gente desordeira, cheia de lambança, não é, Natário?

O Capitão não se alterou com a brincadeira, quase sorriu:

- A diferença, Coronel, é que em Estância só tem pobreza.

No São Francisco pobreza é regalia, a miséria campeia.

Um jumento zurrou perto do rio. O Coronel, antes de atender ao convite de Fadul para entrar no armazém, deteve-se a observar as casas novas, erguidas no Caminho dos Burros, umas quantas. Olhou mais além do descampado a aglomeração de choupanas, um montão.

- E ali, o que é?

- A Baixa dos Sapos, o rancho das raparigas. Antigamente eram cinco ou seis, agora não tem conta.

Demorou-se o Coronel a espiar o movimento. Na porta do depósito do coronel Robustiano de Araújo uma tropa de muitos burros descarregava cacau seco. No curral, homens de gibão de couro cuidavam de uma boiada. Porcos, galinhas e perus espalhados pelas redondezas fuçavam e ciscavam. Assustado bando de conquéns passou em disparada. Uma velha atravessava o rio sobre as pedras.

- E tua casa, Natário? É aquela ali? — O Coronel apontava para a casa de pedra e cal do negro Tição Abduim.

- Não, Coronel. A minha fica em cima daquele morro. Dá pra ver daqui. A não ser que vosmicê queira subir.

O Coronel elevou o olhar para a construção recente, residência à altura do dono da Fazenda Boa Vista: dominava o povoado.

- Precisa subir não. Vejo daqui. Morada e tanto, sim senhor.

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