Ninguém é de ferro e qualquer fagulha acende um fogaréu |
TOCAIA GRANDE
(Jorge Amado)
Episódio Nº 231
Ouviu-se então o clarão do raio e o
ronco do trovão, o estrugir da suçuarana e da onça-preta. As apagadas estrelas novamente
se acenderam num céu vermelho, cor de sangue.
Iansan chegou numa nuvem negra, montou o
seu cavalo, empunhou o alfanje e o erukerê, lançou o grito de guerra, dançou a dança
de combate e de vitória, prendeu Tição contra o seio, expulsou os eguns que o
rondavam, limpou-lhe o corpo dos malefícios. Um átimo, não mais: Ressu voltou a
calçar Chinelas.
Estava Castor Abduim defendido pelos
sete lados, todos os caminhos abertos a seu passo.
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Melados de sangue da cabeça aos pés,
foram se banhar no rio, levando um peso de sabão. No caminho, Ressu contou:
- Tão dizendo por aí que Bastião tá
caiando a casa pra festa.
- Que festa?
- Quer dizer... o dia que ela resolver
se amigar com ele.
Mas, no meu parecer, não vai chegar pro
bico dele. Agora,
então...
- Acreditava no poder dos encantados, na força dos ebós.
Lavaram-se com sabão, limparam a
carapaça do cágado, Tição prometeu, agradecendo a ajuda:
- Vou fazer com ela uma cuia para ocê
guardar suas contas.
Espadanaram água, mergulharam juntos, os
corpos se tocaram e, ao raiar do sol, se entregaram à boa brincadeira: ninguém
é de ferro e qualquer fagulha acende um fogaréu.
Ele com o pensamento em Diva, não lhe
saía da cabeça; ela, sem subentendido, pelo prazer, unicamente. Não era a primeira
vez, já tinha acontecido, apenas fora na rede e não ali, na correnteza do rio.
- Só se ela for tola... - murmurou
Ressu.
Voltaram à oficina para salgar a carne,
separaram pedaços para os amigos: o turco, Coroca, Altamirando, o velho Gerino
e outros mais: Tição nascera presenteador.
- Vai levar para sia Vanjé? — Provocou
Ressu.
- Leve ocê, se qui ser.
Eu, não. Tem coisas que a gente não pode comprar nem com dinheiro nem com
prenda. Bem-querer não é mercadoria.
Da porta da oficina, quando Ressu se
retirou, o negro Castor Abduim, restaurado em sua medida certa,
lançou a vista para a margem oposta onde vivia a disgramada.
Estava decidido:
iria a seu encontro de peito aberto e, por bem ou por mal, tomá-la-ia nos
braços para derrubá-la na rede e lhe mostrar o valor de um negro apaixonado.
Chegara a hora de pôr ponto final naquele namoro de caboclo, sem pés e sem
cabeça.
Antes que o branco de olho azul tomasse a frente e lhe passasse a
perna. Atotô, Omolu, pai de banzo e da bexiga negra, da força e da saúde,
atotô, meu pai Obaluaiê!
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