segunda-feira, abril 27, 2015

Ninguém é de ferro e qualquer fagulha acende um fogaréu
TOCAIA GRANDE
(Jorge Amado)

Episódio Nº 231



















Ouviu-se então o clarão do raio e o ronco do trovão, o estrugir da suçuarana e da onça-preta. As apagadas estrelas novamente se acenderam num céu vermelho, cor de sangue.

Iansan chegou numa nuvem negra, montou o seu cavalo, empunhou o alfanje e o erukerê, lançou o grito de guerra, dançou a dança de combate e de vitória, prendeu Tição contra o seio, expulsou os eguns que o rondavam, limpou-lhe o corpo dos malefícios. Um átimo, não mais: Ressu voltou a calçar Chinelas.

Estava Castor Abduim defendido pelos sete lados, todos os caminhos abertos a seu passo.

20

Melados de sangue da cabeça aos pés, foram se banhar no rio, levando um peso de sabão. No caminho, Ressu contou:

- Tão dizendo por aí que Bastião tá caiando a casa pra festa.

- Que festa?

- Quer dizer... o dia que ela resolver se amigar com ele.

Mas, no meu parecer, não vai chegar pro bico dele. Agora,
então...  - Acreditava no poder dos encantados, na força dos ebós.

Lavaram-se com sabão, limparam a carapaça do cágado, Tição prometeu, agradecendo a ajuda:

- Vou fazer com ela uma cuia para ocê guardar suas contas.

Espadanaram água, mergulharam juntos, os corpos se tocaram e, ao raiar do sol, se entregaram à boa brincadeira: ninguém é de ferro e qualquer fagulha acende um fogaréu.

Ele com o pensamento em Diva, não lhe saía da cabeça; ela, sem subentendido, pelo prazer, unicamente. Não era a primeira vez, já tinha acontecido, apenas fora na rede e não ali, na correnteza do rio.

- Só se ela for tola... - murmurou Ressu.

Voltaram à oficina para salgar a carne, separaram pedaços para os amigos: o turco, Coroca, Altamirando, o velho Gerino e outros mais: Tição nascera presenteador.

- Vai levar para sia Vanjé? — Provocou Ressu.

- Leve ocê, se quiser. Eu, não. Tem coisas que a gente não pode comprar nem com dinheiro nem com prenda. Bem-querer não é mercadoria.

Da porta da oficina, quando Ressu se retirou, o negro Castor Abduim, restaurado em sua medida certa, lançou a vista para a margem oposta onde vivia a disgramada.

Estava decidido: iria a seu encontro de peito aberto e, por bem ou por mal, tomá-la-ia nos braços para derrubá-la na rede e lhe mostrar o valor de um negro apaixonado. Chegara a hora de pôr ponto final naquele namoro de caboclo, sem pés e sem cabeça.

Antes que o branco de olho azul tomasse a frente e lhe passasse a perna. Atotô, Omolu, pai de banzo e da bexiga negra, da força e da saúde, atotô, meu pai Obaluaiê!

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